"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 3 de dezembro de 2011

Da prática para teoria

No decorrer de nosso período surgiu a idéia de participar da V Semana de Educação, Ciência e Tecnologia desse ano com um pequeno vídeo sobre a presença negra no Amazonas. No entanto, a idéia ainda precisava ser melhor delimitada.
Por ocasião de uma visita á um senhor que tinha participado dos primórdios do movimento negro em Manaus por um grupo de membros do projeto de extensão (Anália Ferreira da Silva, Maria Lucirlei Barbosa e Maurílio Sayão) no bairro da Praça 14 surgiu a idéia de fazer um vídeo especificamente sobre o movimento negro local através de entrevistas com seus membros.
Já havia passado o prazo de inscrições para a V Semana de Educação, Ciência e Tecnologia. No entanto, havia ainda a XVIII Semana da Consciência Negra da Uninorte. Inicialmente defenderíamos em uma mesa-redonda nossas pesquisas, mas optou-se então por exibirmos nosso pequeno documentário no lugar desta apresentação.
Mais reuniões foram precisas para podermos conceder uma direção decisa ao documentário, inclusive na quantidade de entrevistados e na qualidade das perguntas feitas á eles. As primeiras entrevistas começaram no final de setembro, na Praça 14, e a última foi realizada no Instituto Geográfico Histórico do Amazonas (IGHA) no meio de outubro.
Apesar das inúmeras reuniões, faltou-nos um pouco mais de foco, o que pode ser notado na enxurrada de perguntas nas primeiras entrevistas. Outra deficiência foi sendo notada aos poucos: a construção de uma narrativa audiovisual. Nos aventuramos no terreno da linguagem cinemtográfica quase que totalmente "crus", no dizer de Anália Ferreira Silva. No entanto, conseguimos encontrar uma sequência racional e um tanto subjetiva para nosso vídeo.
O maior problema, contudo, veio da dobradinha falta de tempo/escassez de recursos. A qualidade de nossos equipamentos não interferiu tanto assim na produção, mas demandou muito tempo da equipe. Falando em tempo, descobrimos na pele o martírio da edição. Um trabalho que, segundo o editor que nos ajudou, Edson Egas, demanda 10% de conhecimento e 90% de paciência. Passamos mais de cinco dias na ilha de edição, cortando e emendando pedaços de nosso vídeo, tentando transformá-lo em uma produção curta e compreensível.
Assim chegamos em novembro (o filme foi ser finalizado um dia antes da sua apresentação) com um curta-metragem de 26 minutos, fruto do trabalho de Antônio Everton de Andrade, Francisca Anália Ferreira da Silva, Maria Lucirlei Barbosa, Maurílio Sayão e Vinicius Alves do Amaral, sendo sempre orientados pelo Prof. Msc. Arcângelo Ferreira da Silva.
O vídeo, no entanto, ainda não está finalizado. Pretendemos consertar alguns pequenos erros para deixá-lo, enfim, pronto. A experiência foi trabalhosa e dura, mas, confesso, realizadora. Enxergamos nesse filão, do documentário, um caminho de ótimas possibilidades - educacionais, comerciais, profissionais, etc. O audiovisual é um canal perfeito para divulgarmos, como pretendemos, esse conhecimento tão raro sobre nossa terra.
No entanto, ainda temos um longo caminho pela frente. Não possuímos ainda bons recursos e nem dominamos a linguagem dos documentários. Enquanto não encontramos um bom financiamento para a aparelhagem, procuramos investir num conhecimento mais aprofundado sobre as técnicas cinematográficas. Quem sabe, aí está o embrião de um novo cineclube ou, sendo otimista, de uma nova produtora de filmes. O que importa é que não paramos por aí e em breve todos poderão ver os resultados de nossas discussões e de nossos trabalhos. Interessante que na criação do vídeo fizemos o caminho inverso da pesquisa histórica: saímos da prática em direção á teoria.

Da teoria para a prática


Um dos objetivos iniciais desse semestre era entrar em contato com autores consagrados para analisar seus aportes teóricos. Com essa meta lemos e discutimos nas reuniões os seguintes textos:
-A História Vista de Baixo, Jim Sharpe;
-Microhistória, Giovanni Levi;
-O Grande Massacre de Gatos, Robert Darnton;
-O Inquisidor como Antropólogo, Carlo Ginzburg.

Faremos a seguir um breve apanhado destas análises:
Sobre o primeiro texto, entramos em contato com a tão falada História Vista de Baixo e descobrimos como tal termo pode ser tão múltiplo de sentidos. A História Vista de Baixo pode ser desde uma biografia sobre um soldado raso até um estudo sobre uma comunidade pobre européia. O essencial é que sua perspectiva sempre parte de esferas não institucionais ou tradicionais (se entendermos uma história dos grandes homens e dos acontecimentos importantes como tradicional).

Giovanni Levi
A seguir, no artigo do historiador italiano Giovanni Levi, encontramos outro campo muito popular na historiografia: a Microhistória. O autor tenta nos definir como Microhistória, apesar da mutiplicidade de sentidos que ela pode adquirir, uma análise que reduz a sua escala, ou seja, que se concentra em processos e personagens mais concretos e restritos, sem perder de vista a articulação deles com o seu contexto histórico. A Microhistória procura o singular, por isso ela reduz sua escala de observação, e não renega a narrativa, como vinham fazendo outras correntes com medo da História ser confundida novamente com a Literatura.
Em O Grande Massacre de Gatos somos apresentados ao duro mundo do proletariado francês antes da Revolução Francesa através da morte de vários gatos. Darnton se impressiona com tal acontecimeno e se impressiona mais ainda com a reação dos homens que os mataram: todos morreram de rir. Aos poucos ele vai desvendando os significados dessa ação e descobre que os assassinos dos gatos (que eram tipógrafos) estavam descontando a fúria de seu patrão em seus gatos. Esse é um estudo de História Cultural, pois se aventura pelo horizonte cultural da França pré-revolucionária na procura dos significados de uma massacre de gatos.

Robert Darnton
No ensaio provocador de Ginzburg, um inquisidor e um antropólogo são confrontados. O autor tenta extrair suas semelhanças e suas diferenças. A primeira semelhança diz respeito á investigação: tanto o o inquisidor como o antropólogo estão investigando alguma coisa ou alguém. Ambos colhem relatos e procuram interpretá-los para extrair deles um significado, uma verdade. Aí temos a grande diferença: o inquisidor procura uma verdade com base nos critérios de sua própria fé, enquanto o antropólogo não pode cometer esse pecado capital das Ciências Sociais, o etnocentrismo.


Foto: Sebastião Salgado.
E agora, qual a contribuição para nosso tema de estudo:
Antes de tudo, qualquer pesquisa precisa estar bem fundamentada, precisa de conceitos sólidos. Essa é a importância da teoria, fornecer conceitos para uma pesquisa poder apresentar uma tese, um problema. A leitura desses textos, bem como qualquer outro da disciplina Teoria da História, por si só já é válida por nos familiarizar com alguns dos muitos referenciais teóricos da historiografia.
O artigo de Jim Sharpe nos elucida um pouco sobre um conceito tão conhecido e nos brinda com alguns pontos interessantes: primeiro, que a História Vista de Baixo não pode ser uma simples revanche á história tradicional, a história dos vencedores, pelo contrário, ela não pode descartar a "história vista de cima", pois a sociedade é formada por estas duas esferas. E, segundo lugar, esse campo, mais que os outros, implica em um comprometimento político com as classes menos favorecidas. Em outras palavras, todos aqueles que podem ser classificados como as "classes de baixo" (e são muitos) não são apenas objetos de estudo, mas seres humanos.
Aqui temos a reiteração do pedido de Walter Benjamin de que o historiador não se torne apenas um observador, mas que também se engaje, participe da sociedade ativamente. Acredito, que em relação ao nosso tema, estes dois pontos nos ajudam a pensar a História para além do relato frio e do ressentimento historiográfico, ainda mais para culturas tão marginalizadas e tão próximas de nós.
Já Levi nos estimulou o gosto pelo singular e pela narrativa. A Microhistória traz esse gosto especial pela pesquisa, pela garimpagem nos arquivos atrás de alguma pepita tal como um certo moleiro que tinha sua própria opinião sobre a criação do mundo. Um gosto pela pesquisa e um comprometimento para com o leitor. O que se pode inferir do texto é que o microhistoriador deve estar muito bem sintonizado com a pesquisa e com o modo como ele a apresenta. Afinal, a Microhistória, assim como a História Vista de Baixo, diz respeito aos "excluídos da História" e para tanto é preciso que seus estudiosos não cometam o mesmo erro de seus antecessores produzindo uma história que não seja endereçada ás pessoas fora da academia, criando assim mais "excluídos da História".
Levi também nos fez ver o grande peso da Antropologia para a História, peso esse que pode ser melhor percebido em O Grande Massacre de Gatos, onde os métodos antropológico como a descrição densa e o estranhamento guiaram a pesquisa histórica. Métodos esses que nos ajudam a enxergar onde menos se espera algo extremamente válido. São quase os mesmos métodos defendidos por Ginzburg no último texto. Estes métodos são tão preciosos porque eles ajudam a vencer o problema das fontes: quando se trata dos "excluídos da História" não há quase fontes, por isso é preciso utilizar a "leitura á contrapelo" e a descrição densa, por exemplo.
Estes três últimos textos nos inquietou bastante, porque diz respeito á uma situação que estamos enfrentando á tempo: a falta de fontes sobre os negros na cidade de Manaus. Claro que existem algumas, mas são sempre fontes produzidas por autoridades, cheias portanto de etnocentrismo. É aí que entra o relativismo da Antropologia, para depurar estes preconceitos das fontes e assim, talvez, encontrar um pedaço da real condição do negro nos primórdios da República em Manaus, por exemplo.
No tocante ao comprometimento, o qual frisamos inúmeras vezes, diz respeito á outra situação: a nossa condição de projeto de extensão, ou seja, de um projeto que vise ter uma relação com a comunidade. É necessário, portanto, desde já termos em mente como podemos produzir algo bem consolidado metodologicamente sem perder de vista o leitor á quem estamos o endereçando.

Novo semestre, novas responsabilidades

Quem acompanha nosso blog deve ter certamente percebido que não publicamos nossas resenhas sobre os textos discutidos em nossas reuniões. Nós as publicaremos sim, só não o fizemos por conta de uma nova atividade que tomou boa parte de nosso tempo, durante e após as reuniões semanais: a criação de um vídeo sobre o movimento negro no Amazonas.
Foi uma ação ousada, reconhecemos, e muito trabalhosa, como podemos verificar nas últimas semanas. No entanto, realizadora. A proposta inicial era preparar um curta para ser apresentado na XVIII Semana da Consciência Negra da Uninorte, mas já planejamos repetir a experiência, agora com mais calma e com mais recursos.
Quem quiser maiores detalhes pode ficar tranquilo, pois disponibilizaremos nesse espaço mais informações sobre nossa experiência.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Novo Semestre

De volta das merecidas férias, nosso grupo de estudo começa nesse período com duas novas diretrizes:
a) Nesse semestre nos dedicaremos á pesquisa, principalmente sobre o negro na história do Amazonas;

b) Como forma de clarear os passos dessa nova empreitada, inicialmente nos concentraremos em discussões teóricas e posteriormente nas fontes e na análise sobre elas.

Após falarmos sobre tudo o que foi produzido sobre o negro e o indígena no Brasil, chegou a hora de tratarmos do tema em nossa região através da pesquisa. E uma pesquisa necessita de arcabouço teórico para se sustentar. É o que nós veremos nessas primeiras reuniões: seremos apresentados á algumas teorias, para escolhermos enfim qual mais se adapta á nossa pesquisa.
Por isso foi recomendado por nosso orientador, Prof. Msc. Arcângelo Ferreira da Silva, a leitura dos artigos A História Vista de Baixo de Jim Sharpe e Microhistória de Giovanni Levi. A análise desses textos, portanto, será postada aqui nos próximos dias.

sábado, 3 de setembro de 2011

Diversidade e Complexidade

Ao final do semestre, fomos convidados pelo Professor Arcângelo Ferreira para refletir sobre os textos que passaram por nossas mãos nesse período. E aqui estão nossas considerações.
Em primeiro lugar, dedicamos a compreender a cultura indígena e percebemos que ela só pode ser entendida se levarmos em conta sua dinâmica e sua complexidade. Para alcançarmos tal objetivo precisamos nos despir de preconceitos que nos são passados há anos, sejam pela família ou pela escola. Que preconceitos são esses? "Índio é tudo igual", "índio é preguiçoso", "índio de verdade vive no mato" e "índio é coisa do passado".
Assim sendo, as leituras que fizemos de Victor Leonardi e João Pacheco de Oliveira foram essenciais para relativizarmos essas visões que estão tão enraizadas em nossa sociedade.
Em segundo lugar, partimos para a análise das sociedades indígenas. No meio de tantas, nos focamos em algumas como os Cambebas, Pano, Ashaninca, etc. Os artigos nos oferecem uma visão interessante sobre cada uma delas e permitem chegarmos á conclusão de que não existe uma sociedade indígena, mas várias. Sob o termo genérico de "índio" se escondem sociedades tão diferentes entre si como os diplomáticos e fechados Ashaninca e os guerreiros e plásticos Panos. Essa complexidade precisa ser recuperada.
Os artigos produziram também um interessante debate sobre cultura. O que é cultura? Pode se perder uma cultura? Foram inquietações que nasceram justamente do artigo de Benedito Maciel Espírito Santo sobre a memória e seu uso para reafirmar a identidade Cambeba. Sua palestra por ocasião da Semana Indígena da Uninorte sobre cultura também foram esclarecedoras.
Descobrimos, por meio desse debate, de que não se pode perder uma cultura, ela apenas se resignifica e é o que tem acontecido com os povos indígenas. O indígena reconstrói sua identidade. Não podemos enxergá-lo apenas como vítima ou como um sujeito passivo diante de um processo inevitável.
Questionados sobre a contribuição dos textos, a maioria dos membros do grupo de estudo concordam que eles ajudaram a enxergar o indígena além dos preconceitos e dos reducionismos. Muitas problematizações foram oferecidas durante as discussões: O indígena está perdendo sua cultura? O indígena não reagiu? Será o indígena realmente preguiçoso ou selvagem? E quanto ao homem branco que tentou escravizá-lo e até hoje não conseguiu viver melhor sem ter que destruir o meio ambiente?
A questão indígena está diretamente relacionada com uma série de questões como a sustentabilidade, a reforma agrária, a corrupção política, etc. Ao nos debruçar sobre ela não estamos apenas analisando a problemática cultural e histórica da construção de nosso país e de nossa região, mas também estamos questionando outras esferas da nossa sociedade. Nada está totalmente separado: passado e presente, povos indígenas e questão fundiária, identidade e globalização, etc. Justamente por compreender dentro de si tantas ligações a realidade é tão complexa. O entendimento sobre essa complexidade será um dos caminhos para saná-la de seus problemas. Por isso esperamos que após esse breve comentário o leitor pense duas vezes antes de classificar indígenas de preguiçosos ou selvagens.

Uma singular pluralidade: a etno-história Pano

Nosso blog andou temporariamente parado por conta de um vírus que infectou o computador do responsável por atualizá-lo. Agora finalmente sanado o problema publicaremos um dos últimos textos analisados no semestre passado.

ERIKSON, Philippe. Uma Singular Pluralidade: a etno-história Pano. In: CUNHA, Manuela Carneiro (0rg). História dos Índios no Brasil. SP, Companhia das Letras-Secretaria Municipal de Cultura. PAPESP.1992, p. 239 a 252.

Uma Singular Pluarlidade: a Etno-História Pano

Por Maria Lucirlei Barbosa



Philippe Erikson é um pesquisador francês com PhD. em Antropologia e Etnologia pela Universidade de Paris X. Realizou sua pesquisa entre 2005 e 2008, patrocinada pela fundação Wolkswagen com o objetivo de produzir uma etno-história dos povos amazônicos. Sua pesquisa se foca em um povo em específico: os Panos.
Descreve inicialmente a pré-história dos Panos, destacando as inúmeras discussões sobre as mutações sofridas até a chegada dos europeus e condições atuais. No entanto, seu trabalho se debruçará sobre as relações mantidas pelos Panos com outras etnias indígenas. Esse é o grande diferencial do estudo de Eriksson: ir além do já suficientemente discutido relacionamento entre a cultura indígena e a cultura européia  ao abordar os conflitos e alianças mantidas dentro da primeira. Ao delinear as áreas de ocupação e processo de migrações destes povos o autor deixa transparecer a riqueza da organização cultural deste povo milenar e a sua mutilação cultural principalmente século XX na era do boom da borracha.
Um membro dos Matis, um dos muitos povos que compõem a etnia Pano.
Sua pesquisa contou com diversas fontes, sendo a mais emblemática os documentos produzidos pelos cronistas. Eles eram, em sua maioria, missionários e seu interesse em conhecer a cultura indígena nos forneceu ótimo material sobre os Panos na época.  São deles os mais completos dicionários e gramáticas da língua Pano, que foram utilizados inclusive pelos antropólogos atuais - sendo os trabalhos destes também parte das fontes analisadas por Eriksson.
O que essas fontes tem em comum, além das pistas sobre o cotidiano dos povos dessa etnia, é justamente esse seu interesse linguístico. O autor acredita que a língua seja a identidade mantida por esse povo. As mudanças nela são mais superficiais que as demais. As variações são muitas, mas nada que desfigure totalmente o idioma, de modo que dois membros do mesmo tronco Pano, mas de grupos diferentes possam se entender.
O texto de Philippe Erikson apresenta os grupos e subgrupos do tronco linguístico, do que ele convencionou chamar “família Pano”, justamente para demonstrar que a língua Pano não está presa a um único grupo étnico. Distribuída numa vasta área geográfica, do sul da Bolívia adentrando região de Rondônia, Amazonas até o norte do Peru.  Especialistas em lingüística afirmam ser possível encontrar “82 línguas diferentes da família pano [...] bem diferente dos Yanomami com apenas meia dúzia” (ERIKSON, 1992, p. 240).
Moradores de um povoado Pano observam o helicóptero que sobrevoa a região.
Segundo o autor, atualmente os Panos que dominam este tronco linguístico chegam a 30 mil pessoas, divididos em grupos e subgrupos. O maior grupo é dos Shipibo-Conibo-Shetebo e ocupam as margens do Ucayali e chega a mais ou menos 20 mil pessoas. Fora esse imenso bloco segue mais seis grupos: os Chacobo, Pacaguara, Karipuna, Kaxakari), os Yaminawa, os Amahuaca, os Kaxinawa, os Cashibo, os Mayoruna. Suas organizações políticas são diferenciadas de uma para outra etnia. A explicação para isso está em seu passado.
Os Panos faziam parte das diversas etnias que viviam na região subandina. Sua relação com os Arawak e com o Império Inca era ambígua: comércio, por um lado, e guerra, por outro. Uma migração em massa foi feita por conta dos ataques dos Arawak. Assim, eles vieram a se estabelecer onde vivem atualmente. Entrarem em contato com as etnias que já habitavam o local, se adaptando a ele: aprenderam a agricultura da floresta tropical, mas não se esqueceram da produção de tecidos que faziam na região subandina. Eriksson encontra nos relatos dos cronistas e dos antropólogos muito da cultura Arawak, Omágua e inca, por exemplo.
É essa inter-relação amigável com outras etnias que permitiu que ela acolhesse tantas culturas diferentes. Essa é a sua singularidade. Uma singularidade que conseguiu sobreviver a colonização graças á seu relativo distanciamento, mas que foi fortemente abalada com o boom da borracha. Foi nessa época que os Panos tiveram de dividir seu espaço com os seringueiros. Os conflitos eram muitos, mas também havia casos de indígenas serem escravizados ou contratados pelos seringalistas. A etnia se desestruturou e até hoje ainda enfrenta muitos desafios para se recuperar dessa infeliz influência do mundo do "homem branco".
É interessante encontrarmos um etnia que tenha como singularidade esse sentimento de alteridade. Vimos em textos anteriores como os povos indígenas são diversos, possuindo sua particularidade. Os Panos tem essa preocupação com o Outro como particularidade e é se adaptando, sem perder de fato sua identidade, que eles sempre se renovam.
O artigo de Eriksson é, portanto, extremamente proveitoso porque nos oferece a oportunidade de analisarmos a relação entre os próprios povos indígenas e por nos apresentar o grande e inusitado diferencial da etnia em questão: a alteridade. Logo ela, que é um paradigma perseguido por antropólogos e historiadores para que se respeite as coletividades, principalmente as culturas indígenas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Macumba

Macumba
Afrânio de Castro (1931-1981)

Lua cheia
Floresta grávida de luar,
São Jorge Guerreiro galopa
nas pradarias silentes do Astral.
Árvores violadas pelos ventos
Arreganham o terreiro adormecido.
Há um simulacro místico – a natureza
Veste-se de roupagens faiscantes.
Acorda agogô o lamento negro
Narrando a saga primitiva da raça
Banzando um queixume esquecido do preto
na escravidão das senzalas.
Ao som do luar
Nasce a magia nostálgica
Das eras primevas – falam tantãs
e atabaques – a voz antiga de Xangô,
cantando, chorando, a desdita do povo africano.
A poeira evola do chão aquecido
Pelo suor da gente sofrida,
orixás e exus possuem pais-de-santo, -
os cavalos de Ogum.
O frenesi do fetiche do lundu
ululante
seduz dos iniciados ardendo cachaça
e catimba
os possessos em transe exortam
despachos
mandingas.
Lateja o batuque visões dos Palmares
na pele da noite tatuada de Dor...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

VOZ DO SANGUE

Voz do Sangue
Agostinho Neto (1922-1979)

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África
negros de todo o mundo

Eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas Áfricas
do nosso rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Símio de Deus

ESTENSSORO, Juan Carlos. O Símio de Deus. In: A Outra Margem do Ocidente. Adauto Novaes (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999.


O Símio de Deus
por Vinicius Alves do Amaral

Juan Carlos Estenssoro é um historiador peruano que tem como objeto de estudo a história colonial de seu país. Tornou-se conhecido em seu país por algumas teses polêmicas sobre o trabalho missionário e a resistência indígena, como veremos a seguir.
O autor inicia seu texto falando da noção que os relatos eclesiásticos dos séculos XVI e XVII podem nos dar sobre o trabalho missionário. Esses textos falam da resistência dos povos andinos á aceitar a fé católica. Alguns historiadores vão mais longe e interpretam a questão como se fosse uma guerra, onde os oponentes são a fé do colonizador e do colonizado. Para Estenssoro essa é uma visão que se auto-proclama politicamente correta, mas na verdade é altamente etnocentrista.
Em primeiro lugar, estes pesquisadores entendem o indígena como uma categoria uniforme e cuja cultura só pode ser preservada com o isolamento, daí estes mesmos pesquisadores classificarem os indígenas que vivem em centros urbanos ou que adotaram a tecnologia como verdadeiros traidores. Em segundo lugar, ao pensarem dessa forma eles estão renovando um discurso etnocêntrico que foi o centro do projeto colonial que tanto criticam.

Os massacres dos colonizador espanhóis para com os indígenas ficou conhecido como a "Leyenda Negra".
O termo índio nasceu de um erro - Colombo assim os nomeou pensando ter chegado ás Índias. O termo simplesmente coloca povos tão diversos (como os Cambebas ou os Ashaninca, como vimos aqui) num mesmo patamar, como se sua cultura fosse uma só e sabemos que não é. A sociedade colonial tornou esse termo uma categoria jurídica para assegurar esse sentido: índio é um súdito que não pode exercer cargos administrativos e deve pagar tributos e jornadas de trabalho compulsório como a mita.
O propósito da colonização é essa: estabelecer a oposição para justificar a exploração. Essa oposição não pode nunca ser diluída, senão a colonização perde seu discurso fundador. A Igreja foi um dos braços da colonização, apesar de ter seus interesses próprios. Assim, para Estenssoro devemos enxerga a Igreja não como uma instituição atemporal, mas lembrar que ela também é filha de seu contexto. No contexto em questão, ao lado de sua missão de ensinar a fé católica também havia o objetivo de criar "fronteiras étnicas". Podemos enxergar essa manutenção da oposição através desses relatos: a Igreja não admite que os indígenas estão se tornando cristãos, pois uma vez isso constatado acabaria com toda o propósito colonial e com seu trabalho missionário.
A realidade colonial aqui não deve ser entendida simplesmente como um mundo de oposição, pelo contrário; esse é apenas o discurso colonial, a realidade é muito mais complexa. Diante de uma nova cultura, como acontecia na colonização, há dois sentimentos possíveis: a aproximação e a rejeição. A aproximação pode ser motivada tanto pela curiosidade como pela verdadeira empatia. A rejeição, contudo, repousa no sentimento de superioridade, de etnocentrismo. O historiador chama a atenção para o fato de não existir uma fronteira clara entre estes dois sentimentos. Um bom exemplo disso são os missionários que tentam entrar no mundo do indígena não somente para entendê-lo, mas para transformá-lo naquilo que julgavam ser uma cultura superior: a sua própria.

Missionário evangelizando indígenas: assimilação e rejeição juntos.
Assim, quando estes mesmos evangelizadores encontram elementos da cultura indígena que se aproximam de sua cultura (como palavras que correspondam á criador, anjo e salvação, dentre outras) imaginam que já houve uma evangelização anterior na América, talvez pelos apóstolos (nasce aí o mito de que São Tomás ou São Tomé no Brasil tenha passado pelo continente antes dos colonizadores). No entanto, essa mesma idéia pode abalar a noção de que estes homens são radicalmente diferentes dos europeus e de que existe uma única Igreja. Outro mito vai sendo construído: o de que esses elementos podem ser obra também de um imitador de Deus, o Diabo. Esse ardiloso símio de Deus, contudo, não faz uma cópia perfeita da "verdadeira religião", o que explica a idolatria dos indígenas.
Os missionários passam a estudar os indígenas e ao mesmo tempo tentam introduzir na sua cultura elementos novos. Como os muitos povos indígenas peruanos não tinham uma noção de divindade transcedente (fora do mundo material), os evangelizadores precisaram adaptar o Deus cristão á essa realidade. No lugar dos antigos ídolos, é colocado a imagem de Deus, sendo que a idolatria é um conceito proibido pela Igreja.
Existiam, contudo, elementos que os missionários precisaram construir ao invés de substituirem como foi feito com os ídolos. A comunhão e a confissão é um destes elementos. Para o historiador a aceitação de uma religião só acontece realmente quando uma necessidade simbólica é substituída ou então criada. Os evangelizadores coloniais precisam criar a necessidade de se confessar e de comungar. Ora, tanto uma quanto a outra só possuem seu propósito diante do pecado. A noção pecado precisava adquirir um sentido ativo na vida dos gentios, nada mais lógico então que materializá-lo.
Assim, o pecado é transformado pelos missionários em animais nocivos que surgem no interior das pessoas toda vez que elas cometem algum ato em desagravo á Deus. A confissão permitiria á esses indígenas a possibilidade de vomitar esses sapos e insetos do pecado. Criou-se então um sentimento de culpa que chegou á evoluir em algumas regiões para um mal-estar profundo diante do pecado. A necessidade de se confessar era urgente e nos primeiros anos da colonização do Peru existiam poucos religiosos distribuídos proporcionalmente na região. Uma solução foi ordernar entre seus pares um confessor ou então contabilizar seus pecados para quando encontrar um padre real entregar á ele a lista e pedir que expulse enfim os animais do pecado. Estes povos possuíam escrita, ao contrário das sociedade ágrafas do Brasil, mas uma escrita muito diferente: registravam nessas pequenas tiras de pano conhecidas como quipos os acontecimentos em suas comunidades através de diferentes nós nos tecidos. Com o trabalho evangelizador, elas passaram a se transformar em documentos preciosos para a Igreja enumerar seus convertidos.

Um ancião segurando um quipo: escrita através de nós.
Como podemos ver, os missionários reinterpretaram a cultura indígena, procuraram assimilar nela seus valores, e isso produziu uma religiosidade singular. Importante que se diga que a Igreja passava pelo momento da Contra-Reforma na Europa, ou seja, procurava fortalecer sua liturgia e doutrina para se firmar como única representante de Deus na terra. Com certeza, estes trabalhos missionários fizeram essa pequena releitura cultural porque o Peru ainda não havia sido profundamente colonizado (os espanhóis chegam em 1532, mas a colonização efetiva começa com a chegada do vice-rei Francisco de Toledo  na década de 1560) e ainda não havia sido criada uma diretriz para a evangelização na religião. Haviam inúmeras ordens religiosas (como os mercedários, agostinianos, franscicanos, etc) que atuavam cada uma á sua maneira no processo de evangelização. A situação muda com a chegada da Companhia de Jesus, principal instrumento da Contra-Reforma, á partir das décadas de 1560 e 1580.
O objetivo dos jesuítas é instituir uma "religião pura", tal qual era praticada na Europa, e enxergavam na idolatria de Deus, nos sapos do pecado, na ordenação de sacerdotes indígenas por eles mesmos e nos quipos para as confissões mais uma vez o dedo do Diabo. Estenssoro não é capaz de dizer se estes religiosos não percebiam que todas essas ações foram motivadas pelo trabalho missionário anterior e não pelo símio de Deus (algumas como o batizado antes da comunhão com certeza foram condenadas tendo em vista criticar o trabalho das ordens anteriores).

Símbolo da Companhia de Jesus: iniciais do nome em grego de Jesus (Ihesus).
Agora é preciso eliminar qualquer traço nativo na religião católica, desde os ídolos até comidas locais utilizadas na missa. Os quipos são queimados e alguns sacerdotes tentam convencer os indígenas de que não existem animais do pecado. Antes elementos que indicavam o sucesso da assimilação são encarados agora como efeito colateral, o que indica que a oposição não pode ser quebrada. Ter que admitir que os indígenas se tornaram cristãos é aproximá-los da condição dos colonos e isso seria deplorável para o projeto mercantilista. A Igreja Católica redefine a fé e a fronteira étnica constantemente para assegurar a diferença.
Nas conclusões finais, Estenssoro lembra o papel que estes missionários têm para nós, pesquisadores das Ciências Sociais: estes religiosos que visitaram o Novo Mundo são considerados como os pais da etnografia, uma vez que eles são os primeiros a tentar compreender o mundo do Outro. No entanto, eles ainda estão eivados de etnocentrismo. Eles querem compreender o mundo do Outro, mas para mudá-lo completamente. E o texto se encerra como uma questão deliciosamente irônica: "Se as semelhanças sempre foram obra do maligno, o que dizer dessa recorrente, insuperável, eterna separação e diferença: armadilhas do etnógrafo ou de um símio fabulador?"

sábado, 14 de maio de 2011

Erro de Português

Oswald de Andrade

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Entre os rios da memória: História e resistência dos Cambeba na Amazônia brasileira

Abaixo, o fichamento de um artigo do Prof. Benedito Espírito Santo Pena Maciel feito pelo participante Raoni Lopes:

Entre os rios da memória: História e resistência dos Cambeba na Amazônia brasileira.

Benedito do E. S. P Maciel

Ilustração de Alexandre Rodrigues Ferreira sobre um indígena na nação Cambeba.


Introdução

1.1Falar sobre a história e memória dos Cambeba é revelar uma fase do processo de colonização e construção do estado brasileiro. E o processo não se deu de mão única, a partir dos colonizadores. Mesmo até "aceitando" a nova ordem, estão disposto a reconstruirá sua vida e história.

1.2 A memória escrita pelos vencedores transformou-se em ideologia, demonstrando seu poder destruição indígena, assim necessário pensar como a memória cambeba transformou em memória história. Pois a documentação colonial, mostra a importância desta etnia por sua demografia e por sua organização social, e por outro, como um visão por estereótipos tradicional.

1.3 A partir das noções Memória Coletiva de Maurice Halbwachs, e de Memória Subterrânea e Memória em Disputa em Michel Pollack, também discutindo como os cambeba: a) memória coletiva como reafirmação da identidade; b) busca dos lugares que passam pela memória; c) interesse em preservar a memória através da escola e do registro escrito.

1.4 Por conseqüência do processo de colonização, os Cambeba, são tidos extintos no meado do século XVIII. Além disso, desaparecendo da documentação oficial, sendo mencionados por cronistas no século XIX. Ainda que duzentos anos aguardaram em silêncio nas sombras da sociedade majoritária uma memória coletiva.

1.5 Os Cambeba reapareceram no cenário indígena a partir de 1980 do século XX no Movimento Indigenista no rio Solimões, se reorganizando etnicamente em função de conquistas. Hoje chegando a 325 pessoas no meio e baixo Solimões e também na capital.

Memória como construção social

2.1 Maurice Halbwachs, desenvolver o conceito de Memória Coletiva e relacionando e diferenciando, com os conceitos de Memória Individual chama-se também Memória Autobiográfica e o de Memória História sendo que a primeira apóia na segunda, tendo a segunda de forma resumida esquemática.

2.2 "... A memória pessoal é produzida a partir de nossa experiência cotidiana na família, na escola, no ciclo de amigos, enquanto que a memória que corresponde aos acontecimentos da nação que geralmente não vivemos, mas que conhecemos através de uma certa tradição, geralmente, escrita..." (p.198)

2.3 Halbwachs questiona uma perspectiva individual e psicologia, logo que lembrar tem haver com "outro", assim ao coletivo. Por isso nossa lembrança é coletiva, mesmo que estivemos sozinhos. E que lembrar é interferência da comunidade, assim como esquecer também é produto dessa relação social.

2.4.1 A lembrança individual é informada pelos interesses e necessidades em grupo, por outro lado, isso só tem eco quando acontece um acordo com seu sentimento e interesse. Halbwachs, somente pode haver aproximação se atingir interesse comum entre sociedade e individuo, mas admitindo uma Intuição Social que é estado de consciência individual.

2.4.2 Então o autor questiona: qual é a conexão entre lembrança individual e a Memória Social ? Pois Halbwchs entende que a soma ou conjunto de memória não é suficiente para existência de uma memória coletiva.

2.5 A Memória Coletiva não é somatória e a evolução por sua própria leis. E nem conjunto como referência da existência. Assim a memória coletiva estrutura-se em um grupo, espaço e tempo onde conserva ou reencontra a imagem do passado. Assim memória coletiva está relacionada com a identidade.

2.6 É perceptível que na diversidade de memórias coletivas haja uma "memória vencedora" em detrimento as outras, habitando espaço marginais e subterrâneos, assim a memória nacional não é múltipla, mas excludente.

2.6.1 Assim a noção de Memória subterrânea e Memória em disputa, de Michel Pollack estão numa compreensão onde a Subterrânea mantêm um trabalho subversivo no silencio, imperceptível, aparecendo num momento de crise em sobressalto. Assim a Memória em disputa é a manutenção de uma memória na sociedade que seda na disputa de grupos sociais.

2.7 Para Pierre Nora a Memória está em evolução, aberta à dialética da lembrança/esquecimento vulnerável a qualquer uso, diferente da História que é uma reconstrução "problemática e imperfeita" uma operação intelectual.

2.8 A separação entre História e Memória não é tão simples, pois há uma transformação na memória de quem vence, marcando pelo caráter ideológico, logo que sabemos sobre o "descoberta da América" a não ser por quem descobriu? Conclui que fazer história é fazer memória.

2.9 Citações Walter Benjamin

2.10. Já Montenegro (1992) ao analisar Halbwachs fala que o sociólogo está distante da abordagem histográfica ultimamente. No entanto concorda com Halbwachs na distinção de Memória e História.

2.11 "... O historiador ao escolher seus temas e seus problemas não pode fazê-lo de forma impessoal e a-história. É o vivido que se mistura com refletido e com o esperado, na malhas do tecido social..." (p. 202) E essa operação intelectuais opõe para dentro e fora de seu tempo, recolocando em sua temporalidade.

2.12 E assim afirma o autor, podemos pensar que e Memória dos Cambeba foi criada pelos colonizadores, e com os índios preservaram sua memória, sendo esquecida pela memória oficial, para manter a lembrança da cultura e reafirma-se da década 1980.

2.13 Os viajantes e cientistas nos séculos XVI, XVII, XVIII com certa admiração e espanto não só pela cultura, mas também demografia e organização social, mas com maior "razão" (Acuña) ou "figura elegante" (Ferreira).

2.14 Embora as demais povos observem os Cambeba através do estereótipo tradicional (gentil, ocioso, selvagem, etc.).

2.15 O estereótipo tradicional serviu a interesse de quem "tinha ou tem o poder produzir memória". Exemplo, Pedro Teixeira, registrando-os com "mui carniceira". Mas além de contradizer Acuña é uma demonstração para a identidade quem "escreve a história" em um escala de valor à etnocentrismo.

2.15.1 "... é exorcizar demônio, é afirmar a sua própria identidade na oposição e na comparação com outro; em fim, é dominar o estranho: o outro." (p.203)


O silêncio como sobrevivência

3.1 Com a colonização os povos indígenas foram pressionados. E a dinâmica deste processo, desarticula as relações tradicionais dos povos indígenas. Assim os Descimentos, os Resgates e as Guerras Justas foram aquisição de mão de obra tanto para coroa como os missionários, deixa a ladeia para viver nas vilas. E a ações dos Cambeba foram classificado com demoníacas por intervir no estenotipo do crânio.

3.2 O Diretório Pombalino (1757-1798) entre outras coisas intervia na cultura: proibindo a língua indígena e a geral. Além da substituição dos nomes indígenas por nomes lusitanos, e da estrutura das casas para estilo europeu. E a escravidão proibida no período ainda se mantém na primeira metade do século XIX no rio Solimões e Japurá.

3.3 Com Sistema de Aviamento (1850-1920) introduziu pela exploração do látex chega a Amazônia através dos barracões e regatões, não fugia a regra, um trabalho "obrigatório" por dividas do aviamento que não chegavam ao fim.

3.4 O efeito do processo de colonização: evangelização, guerras justas, epidemias, miscigenação forçada e o trabalho compulsório provocaram à população a perda do patrimônio cultural e simbólico.

3.5 Neste contexto restavam quatro soluções: resistência na guerra, fuga para as matas, integração a civilização ou nega a sua identidade. Desse modo, os Cambeba, já reduzido "escolham" a terceira alternativa.

3.6.1 Foi necessária nega a identidade indígena, sendo caboclo, ou seja, não-indio, mesmo não tendo a mesma vida, não sofriam as mesmas pressões.

3.7 A Lei do Silencio não significou a condição de silenciados, mas a única possibilidade de resistência cultural, por isso durante 200 anos e se reafirmando no século XX.

Identidade e memória

4.1 A reafirmação étnica ocorre na década de 1980, quando de encontros organizados pelos Miranhas em Urani, por volta de Tefé. Encontro que articulam sobre problemas sociais. Pois começam, Cambeba e Miranha, um movimento indígena que reivindicando demarcação de terra e autonomia nacional.

4.2 O processo de reafirmação dos Cambeba, assim como os Cocama, Mayoruma e os Miranha nos rios Japurá e Solimões, começa logo que a política indígena passa por uma crise. E neste contexto devemos considerar CIMI, CPT e a sociedade civil organizada, até refletindo redemocratização.

4.3 Durante 1970 e 1980 os povo indígenas ganham apoio da sociedade civil, levando a saída do silencio, o fortalecimento da organização política e social, que no movimento indígena articula lutas e reivindicações e promovem denuncia massacres e violências, expressando-se na Constituição de 1988.

4.4 Para João Pacheco de Oliveira há dois fatores que favorecem a reafirmação ou a "recuperação" étnica: processo econômico era o conflito nas terras, e do outro lado, o aparecimento de uma alternativa que são ameaçados no campesinato, a constituição do novo indigenismo através Funai, CIMI e Ong's.

4.5 Contudo, a reafirmação Cambeba afirma autor é uma faca de dois gumes. Logo que sair do silêncio e pode barganhar por melhorias de vida à terra. Mas por outro lado, expõe a pressão. E o preconceito de toda ordem. Além disso, a região de Tefé onde o índio é "representado" de forma genérica e caráter lendário, e por outro, os governantes afirma a "integração" perfeita dos indígenas.

4.6 Entre essa dinâmica e contexto, de alianças e conflitos internos e externos os Cambeba reconstroem sua identidade, onde a memória tem papel importante nessa "nova" identidade. E isso acontece em dois caminhos: a. lembrança do processo da colonização ( trabalhando a sua memória e do colonizador); b. um processo reelaboração mecanismo de memória ( apropria-se do passado para legitimar diante da sociedade).

Memória, lembrança e registro.

5.1 Se a memória é lembrar, o que é lembrar? o autor cita Ecléa Bosi na origem da palavra que vem do francês se souvenir "vir de baixo" e sous-venir "vir à tona o que está submerso": a memória é subjetiva, profunda, ativa, latente, oculta e invasora.

5.2 E Ecléa Bosi, ligada a Halbwachs, afirma que a memória individual depende do meio social: lembrar não é reviver mas refazer, reconstruir, repensar sobre o passado, a lembrança é uma imagem construída a partir do material atual, no conjunto da representação.

5.3 Assim, reconstruir, refazer é o desafio Cambeba, quase destruído pela sociedade nacional, impedidos de falar e da identificar, agora tem este instrumento reconstruir sua história e futuro: memória.

5.3.1 O autor cita um velho Cambeba que lembrar do silêncio e afirma a possibilidade aprender a língua quase extinta.

5.4 História, mesmo com a linguagem tradicional fragmentada isso se liga aos antepassados, no domínio se sua história, se diferente de outros povos e reconhecidos como Cambeba, assim o sentido de sua memória: relembrar para reconstruir a vida.

5.5 Relembrar é ir retirando do "esquecimento" promovido pelo processo de colonização, onde os Omáguas achatavam a cabeça das crianças para se diferenciar dos canibais e se livrar da escravidão.

5.6 Na época que "índio não tinha valor" lembrar era esquecer, trazer a tona sob o silencio, em fim era proibido lembrar. Porém não lembrar não era esquecer, mas silenciar. Assim sobreviveram por 200 anos.

5.7 O silêncio dos Cambeba sobre sua cultura e identidade tem dois aspectos: a. ela pode ser manipulada e dominada pelo estado da nação majoritária decidindo sobre que se deve lembrar esquecer e silenciar; b. os Cambeba utilizaram o silencio não como falta de lembrança, mas como estratégia da sobrevivência, não conduzindo a morte, mas a vida.

5.8 As lembranças Cambeba estão em todo rio Negro, e questiona a pesquisa histórica e a segurança documental. O desafio é a reconstrução estes caminhos e lugares da memória indígena a história indígena deve enfrentar na Amazônia.

5.9 Porém os Cambeba mais do que lembrar, se preocupam com registro em livros para uso em suas escolas e "também para fazer os brancos não esquecerem". Na década de 1900 elabora-se um livro "A vida nas aldeias do médio Solimões" para professores, e no final da mesma década houve outra obra "Aua Kambeba: a palavra da aldeia Nossa Senhora da Saúde"

6.0 Em fim são possíveis perceber que a Memória Coletiva pode atuar de duas formas: a. como estratégia de dominação, o estado nacional; b. como resistência, exemplo como os Cambeba.


Raoni Araujo Lopes
Licenciatura em História - Uninorte


SAMPAIO, Patrícia Maria Melo e ERTHAL Regina de Carvalho (Org.) .Rastros da memória história e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Manaus: Edua, 2006.

sábado, 7 de maio de 2011

Breves considerações sobre a formação histórica e cultural das populações da Amazônia

A seguir, comunicação proferida pelo Prof. Msc. Arcângelo Ferreira Silva no II Simpósio de História e Turismo:Reconstruído a Cultura da Amazônia”, realizado no Uninorte/Laureate (2011):


Breves considerações sobre a formação histórica e cultural das populações da Amazônia: (período pré-colonial e colonial)

Para reconstruir a cultura da Amazônia no período pré-colonial e colonial é necessário investigar historicamente a contribuição que as populações humanas trouxeram ao migrarem, primeiro, da África, Ásia, Malaio-Polinésia e Oceania há cerca de 30 a 60 mil anos atrás, quando chegaram a um continente que muito mais tarde se convencionou chamar de América e, depois, buscar a compreensão de como tais populações começaram a, também, ocupar os ecossistemas de terra firme e várzea na Amazônia de forma dispersa e diversa, aproximadamente há 8.500 anos.
Para tanto cabe a incipiente pergunta: como estavam as populações humanas da Amazônia antes da chegada dos primeiros europeus?
A História ao lançar para si este desafio precisa se ancorar em pesquisa de caráter interdisciplinar, visto que, para atingir o ameríndio lançará mão da etnologia, arqueologia e antropologia principalmente. Assim poderá, com certa segurança, conjecturar a partir dos indícios deixados pelos ameríndios ao longo dos tempos.
Os primeiros indícios, os mais evidentes, são os registros escritos e iconográficos deixados pelos cronistas e cartógrafos dos séculos XVI e XVII. Deles é possível extrair, por um lado, o imaginário europeu sobre a Amazônia e seus habitantes. Por sinal, marcado pela forte influência da tradição judaico-cristão e pela “consciência do fabuloso” (resquícios da mentalidade medieval). Por outro, a expectativa que via na Amazônia oportuna condição de exploração profícua. Ainda sobre estes primeiros indícios é possível conjecturar acerca do outro lado da história. Dizendo de outro modo, através do olhar dos cronistas, visualizar relações sociais, políticas, econômicas e culturais das populações humanas à chegada dos colonizadores alienígenas. É assim que ficamos sabendo da história, identidade, diversidade dos contingentes populacionais que ocupavam, principalmente, os ecossistemas de várzea.

As crônicas de Carvajal, Acuña, Altamirano, para citar alguns, são fontes importantes. Delas é possível perceber construções e ressignificações, por exemplo, da representação misógina sobre as mulheres guerreiras chamadas de Amazonas, assim como do estranhamento diante da magnitude da cultura omágua. Etnia omágua que mais tarde seria alvo da expedição em busca do El Dorado (Ursua e Aguirre). Assim como foi a escolhida pelos franciscanos e jesuítas para o processo da catequização/colonização, porque possuíam, dentre outras especificidades, uma organização social e política hierarquizada, o que a distinguia de outras etnias.
As informações sobre as populações pré-coloniais, deixadas pelos cronistas e analisadas pelos etnólogos, passariam a ser aceitas com mais convicção a partir das contribuições trazidos através de outros vestígios, estes agora encontrados pelos arqueólogos: a cultura material. Os vestígios arqueológicos, alias, ajudaram a refutar mitos quase que eternizados sobre os povos pré-cabralianos. A descoberta, por exemplo, de vários tipos de cerâmica, principalmente a policroma (tipo marajoara), contribuiu para que as informações deixadas por Carvajal sobre a etnia omágua não ficassem sob a égide da especulação. A descoberta da terra preta de índio é de crucial importância porque mostrou ao homem contemporâneo que o ameríndio da Amazônia, ao contrário do que defende adeptos do determinismo geográfico ( por exemplo, Betty Meggers), manejou o seu ambiente. Após estas descobertas é possível afirmar que por volta de 2.500 anos atrás as populações humanas da Amazônia passaram por uma espécie de “revolução neolítica” (nas palavras de Eduardo Góes Neves). Dizendo de outro modo, domesticando plantas descobriram a agricultura, mudaram sua dieta alimentar. Mais significativo, abandonaram gradativamente a vida nômade para viver de forma sedentária, ou seja, fixando-se em lugares, de preferência próximos das confluências de rios estratégicos (Amazonas, Solimões, Madeira, por exemplo.) desenvolveram sociedades cada vez mais densas, caracterizadas por complexidade de toda ordem.
A antropologia, ciência que tem como objeto de estudo “o homem na sua totalidade”, aprimorou o ofício do historiador. Com ela o historiador busca a alteridade das populações da Amazônia, nas suas mais diversas temporalidades. Nesse quadro, ao estudar o “outro”, melhor compreende o “eu” tendo como principal objetivo a busca da alteridade. Assim, reconstruindo a história pré-colonial e colonial e olhando, de forma problemática para a questão indígena, é possível afirmar que por muito tempo a cultura brasileira através de uma memória nacional ajudou a forjar um imaginário sobre a História do Brasil onde a cultura, melhor dizer as culturas, inerentes à Amazônia continuam sendo vistas de maneira estereotipada. Diante desta constatação cabe outra pergunta: de que maneira o historiador através de seu ofício pode ajudar a destruir esse monumento histórico: a tradicional história indígena?
Para “resgatar a cultura da Amazônia” é necessário, primeiro, questionar a idéia de cultura, como fez o professor Benedito do E. S. Pena Maciel na palestra inaugural deste simpósio, estimular projetos acadêmicos sobre a questão indígena como o curso de História do Uninorte junto a seus discentes, vem desenvolvendo através de grupo de estudos. Mas é acima de tudo, tomar uma atitude mais rigorosa e acurada no exercício do nosso ofício. Fazendo, por exemplo, como o historiador Victor Leonard através da obra Entre Árvores e Esquecimentos: história social nos sertões do Brasil , quando afirma no ensaio “Cultura Brasileira e a história da lentidão na história”, lembrando Jacques Le Goff, que somente através da construção de uma nova história da cultura indígena é possível mudar a vigente mentalidade pejorativa sobre os indígenas do Brasil e, por extensão, e principalmente, da Amazônia. Nessa linha, e em suma, como chamar de primitivos e selvagens as populações que souberam com extrema inteligência desenvolver um modo de produção sustentável que atravessou milênios (lembrando, por exemplo, que a indústria manufatureira da farinha tem aproximadamente 2.000 anos, probabilidade possível a partir de datações a partir do carbono 14)? Como desconsiderar as técnicas de reflorestamento, etnobotânica e a apicultura dos Kayapó? Assim como o conhecimento de geografia e cartografia dos Tupinambá? O que dizer do profícuo conhecimento multilíngüe dos Tukano do rio Uapés (de São Gabriel da Cachoeira - Amazonas)? São pertinentes problematizações que suscitam metodologia e teoria mais acuradas para esse árduo caminho: a reconstituição de uma cultura que ao longo da história foi subsumida pela memória e pela historiografia oficial: a cultura, dizendo melhor, as culturas indígenas da Amazônia.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

História Kampa, memória Ashaninca

RENARD-CASEVITZ, France-Marie. História Kampa, Memória Ashaninca. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ Fapesp, 1992.

História Kampa, Memória Ashaninca
 por Francisca Anália Ferreira da Silva.
“Nenhuma palavra se risca na tinta antes de ter conhecido o sangue. (León-Paul Fargue). É a empresa que conta. É o resultado que interessa. O que resta para nossa história e sua memória é a transformação irremediável de um mundo sugado em suas seivas e seus homens”(Renard-Casevitz, 1992, p. 197).

Para a autora, a história dos kampas precisava ser contada através do olhar de seus verdadeiros protagonistas. A visão de seus carrascos era sempre envolvida de uma falsa superioridade que também era usada como desculpa para cometer suas atrocidades contra este povo e os demais povos indígenas. Eles foram usados como mão-de-obra, no enriquecimento de homens gananciosos durante o mini-boom da salsaparrilha, nas minas de ouro e no garimpo de Madre de Diós. Mesmo com a divisão de terras entre Peru, Bolívia e Brasil os Kampas permaneceram pertecendo ao tronco lingüístico Arawak.
Membros do povo Ashaninca.
Segundo o arqueólogo Lathrap, a primeira migração dos proto-Arawak que se deu da costa do Pacifico para o médio Amazonas resultou na origem da mandioca doce (yuca). Através do descobrimento de cerâmicas de aproximadamente 2200 a.C pode se supor que esse povo vivia basicamente da pesca e da horticultura, agrupados entre cem e trezentas pessoas. Já a segunda migração chamada de proto-Maipure por Lathrap, aparenta ter em seus agrupamentos entre quinhentas a mil pessoas, dados estes supostos pelos arqueólogos com base no fato de já possuírem fiação, tecelagem e números difusos de cerâmicas.
Na região do Aycucho, surgem os Huarís que tiveram suas divergências com os povos andinos dentre eles os incas. Os povos do altiplano eram considerados civilizados e os "de baixo", da floresta, selvagens (chuncho), porém havia relações religiosas e simbólicas entre esses povos. Acreditasse que tecidos, plantas e madeira bruta e trabalhada subiam a serra, enquanto o metal como machado e jóias desciam para a floresta. Os grupos Arawak subandinos tinham como vizinhos os huarís e os incas, sendo chamados pelos incas de Anti (nome pejorativo, próximo de nossa definição de "bárbaro"), mas mesmo assim eles possuiam uma relação de troca e aliança política. Os incas apostavam em uma relação de clientelismo com um povo que poderia se tornar seu vassalo. O conjunto Arawak aliava-se aos vizinhos, como os Pano, para obter permissão para utilizar suas cidades, com a finalidade de fortalecer o comércio, as relações militares e a interação interétnica. Mesmo assim surgiam conflitos, principalmente com o Império Inca.
Com a chegada dos espanhóis, que passaram administrar esses povos como mão-de-obra em suas minas e plantações, (com um olhar de superioridade, de "civilizado" observando um povo “selvagem” que só servia para trabalhar) as relações comerciais entre estes povos tiveram que ser feitas muitas vezes clandestinamente. Até 1900 os franciscanos, no Peru, foram o grupo religioso com mais informação sobre os povos Arawak. As epidemias mataram muitos índios, o que desencadeou um sentimento de revolta e, consequentemente, uma guerra com a união dos Kampas, Piro e Pano do Ucayali. Estes povos confederados vieram a matar ou expulsar os brancos responsáveis pelas mortes. A política franciscana em relação aos índios se resumiu então a “dobrar a vontade, mesmo que seja a paulada, afim de que mais tarde se ilustre, se abra o entendimento para a civilização.”
Em 1851 cresceu a demanda da salsaparrilha (usada como antitérmico e remédio contra a sífilis) e com isso houve o aumento da devastação tanto da floresta como do índio. Essa situação culminou na decisão do prefeito Loreto, em 1860, de proibir a exploração, porém o decreto não foi atendido e muito menos cumprido. As terras altas e a Amazônia envolviam três conjuntos regionais: os Andinos, Arawak e os Pano. O ramo ocidental da grande família lingüística Arawak se divide em cinco: os Yanesha (Amuesha ou Amages); ao Ashaninca (ou Kampa) do Gran Pajonal; os Nomatsiguenga; os Matsiguenga; e os Piro. O texto se concentra mais nos Arawak e no subgrupo Ashaninca.
Dois jovens Ashaninca e sua mãe.
Estes viviam em grandes espaços, divididos em pequenas residências, construídas para que todos os seguidores de um chefe importante ficassem juntos ou pelo menos interligados. Cada unidade tinha sua autonomia, sendo possível realizar casamentos até com estrangeiros. A sociedade Kampa é um organismo multicentrado cuja coesão se funda na multiplicação das relações horizontais, igualitárias e reticulares estabelecidas por cada unidade local independente.
O que diferencia os Kampas dos demais povos indígenas é uma espécie de acordo, onde é proibida a guerra interna. Os Kampas são pacíficos e os Piro amam a liberdade, além de serem excelentes guerreiros. Em 1880 os Kampa são obrigados a deixar o Chanchamayo, um lugar rico em minas de ferro,  e em 1896 começa a luta pelo sal (em defesa do Cerro de La Sal) contra os colono ingleses. Os Kampa ainda foram utilizados pelo ganancioso aventureiro Fitzcarraldo que descobriu o varadero pretendia usar para construir uma ferrovia, mas morreu sem concluir seus planos.
Os Kampas tentam se reerguer, se lembram das histórias contadas por seus parentes cheia de sofrimento e dor contam relatos de que Fitzcarraldo queimava índios à noite para iluminar as refeições noturnas de seus homens. Muitos preferiram resolver a situação em que se encontravam se matando: as mulheres, por exemplo, davam a luz e em seguida esmagavam os crânios das crianças nas vigas para que não fossem escravizados também. Perderam sua liberdade, suas terras, mas mantiveram seu espírito guerreiro e não desistiram de lutar.
O que a autora quer demonstrar com isso é que esse povo, ao contrário de muitos outros, soube manter sua autonomia, mesmo sendo considerado inferior tanto pelos incas como pelos conquistadores espanhóis. A cultura dos Kampa, singular por preservar a autonomia de cada aldeia e por cultivar a paz, só foi burtalmente abalada séculos depois da colonização, com os aventureiros, mineiros, caucheiros e seringueiros trazidos para a Amazônia pelo capitalismo monopolista. Este povo se viu em uma situação catastrófica: fome, movimentos messiânicos e massacres internos. As aldeias Kampa passaram a ser atacadas não só por homens brancos, mas pelos seus próprios membros, armados e dominados pela ganância, quebrando assim o milenar acordo de paz que esse povo tinha entre suas aldeias.
A autora tenta escrever uma história não-oficial dos Kampa, para isso se utiliza da arqueologia e, ao final do texto, das memórias de seus membros que vivenciaram aquele período sombrio de sua história. A memória, no momento em que o artigo estava sendo escrito, era o único instrumento de que essa sociedade dispunha para reconstruir sua história e sua cultura depois de tantas desgraças. Hoje, os Ashaninca tentam resgatar seus valores e, ao mesmo tempo, dialogar com o mundo moderno. Embora muitos ainda não acreditem num diálogo com esse mundo moderno que tanto lhes prejudicou, outros, no entanto, ainda possuem fé e esperança numa convivência pacífica. Segundo a autora, o primeiro passo para atingir essa convivência seria reconhecer o passado sangrento que a colonização e a construção nacional ergueu e com isso tentar não repetir os mesmos atos de um Fitzcarraldo, por exemplo.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O Canto das Três Raças

O CANTO DAS TRÊS RAÇAS
Mauro Duarte e Paulo Sérgio Pinheiro

Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil

Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou

Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou

E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor

ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô

ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô

E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador

Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor.

Identidade e Alteridade

Tela de Fátima Miranda inspirada na obra do fotógrafo Sebastião Salgado.
Vamos falar aqui de dois conceitos fundamentais dentro do nosso projeto: identidade e alteridade.
Identidade pode parecer á primeira vista um conceito fácil, mas não é tão simples assim. O que tomamos por identidade é o conjunto de referências sobre determinada pessoa ou grupo social. Identidade é o que define. Porém, a identidade só definida em relação á algo, sendo assim o Eu não pode existir sem o Outro, ambos se definem enquanto se utilizam como reflexo.
Agora entra na conversa mais dois conceitos: o Eu e o Outro. São dois conceitos retirados em grande parte da psicologia, mas que são mais do que bem vindos nas Ciências Humanas. O Eu representa um ponto de vista, uma identidade, enquanto o Outro representa o avesso desse ponto de vista, algo diferenciado.
Diante do Outro podemos tomar duas medidas: a recusa ou a fascinação. Geralmente, quando recusamos o Outro é porque tomamos nossa identidade e nossa cultura como superior á ele (é o que chamamos de Etnocentrismo). E de etnocentrismo a História está cheia de exemplos - a conquista da América, por exemplo.  A fascinação também é poderosa e pode fazer com que alguém recuse a sua identidade e adote outra, a qual se simpatizou. Casos assim não são raros, mas são poucos documentados. Um bom exemplo pode ser o de René Guenon, escritor francês que decidiu se converter ao islamismo e dedicou sua vida á defender as religiões orientais.

Logomarca criada pelo artista polonês Piotr Mlodozeniec.
A partir da segunda metade do século XX, a antropologia toma como bandeira um conceito criado inicialmente pela psicanálise: alteridade. Alteridade é a tentativa de se colocar no lugar do Outro, de compreender seu ponto de vista e de respeitá-lo. Esse conceito passou a guiar as ações dos antropólogos na tentativa de fazer um estudo menos etnocêntrico dos mais variados povos. Hoje, a alteridade é defendida, dentro das Ciências Humanas como um todo e até mesmo fora delas, como um código de conduta para a Humanidade. Os inúmeros conflitos étnicos que marcaram o século XX (o Holocausto, as guerras nos Balcãs, os massacres na África, etc) influenciaram muitos pensadores á apostarem no respeito ás diversas culturas como meio de se chegar á uma sociedade mais humana e pacífica.
Nosso projeto trabalha em cima da construção da(s) identidade(s) na Amazônia e tenta ser guiado pela alteridade, pela compreensão e reconhecimento dessa diversidade.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ideologias da Escravidão II

Vinicius Alves do Amaral

Hoje falaremos sobre as considerações do historiador Luís Felipe de Alencastro sobre a escravidão africana. Pegamos um enxerto de seu maravilhoso livro O Trato dos Viventes. No trecho em questão, o autor fala de como foi construído um discurso sobre a escravidão africana enquanto se entrava em contato com as nações africanas. Discurso esse mediado, em boa parte, pelos jesuítas.

Luis Felipe de Alencastro
 Falemos primeiro do nosso autor: Alencastro é formado em História e Ciências Políticas, sendo que tanto uma quanto a outra foram cursadas na França. Atualmente, dá aulas na Universidade de Paris-Sourbonne e possui colunas em muitos jornais brasileiros. O estilo de Luís Felipe é claro e fluído, por isso seu livro, apesar de assustar os leitores convencionais pelo tamanho, tem sido muito bem recebido entre historiadores e leigos.
A tese central de seu livro é de que o Brasil se formou fora do Brasil, em outras palavras, as experiências da colonização portuguesa na África Ocidental se tornaram práticas depois incorporadas na colônia do Brasil. Lá está a monocultura, a mineração, o comércio, a doação de terras, a formação dos latifúndios e, é claro, a escravidão sustentando toda essa economia. Alencastro enxerga muito mais que o Brasil, ele enxerga o Brasil interagindo com Portugal e a África. A maior prova desse intercâmbio está no trâfico negreiro.
Na parte em que nos deteremos, ele irá nos mostrar como todo o aparato escravocrata foi construído e legitimado.
O encontro dos portugueses com as sociedades africanas começou pela costa do continente, na tentativa de se chegar ás Índias, por meio da fundação de pequenos postos onde se trocavam mercadorias com produtos locais, dentre eles os prisioneiros de guerra escravizados pelas tribos inimigas. Antes do Brasil ser "descoberto" e das verdadeira Índias serem alcançadas, os portugueses já utilizavam a mão-de-obra escrava africana em algumas de suas colônias, como nas ilhas Canárias e da Madeira, por exemplo.
O tráfico de escravos já era uma rede comercial antiga no continente africano, como Alberto da Costa e Silva nos demonstra em seus livros, sustentada pelas guerras tribais e pelos impérios locais, mas o mercantilismo português o explorou ao máximo.

Diogo Cão chega ao Congo.
Cada região teve sua peculiaridade dentro dessa transformação colonialista e escravocrata, claro, e Alencastro privilegia em seu capítulo o território da atual Angola. Essa região fora conquistada com guerras sangrentas entre os soldados do Reino de Ndongo contra os colonizadores, através das tropas de Diogo Cão. Em pouco tempo, os jesuítas haviam se instalado na área dominada, enquanto os colonos avançavam para o interior. Formou-se então pequenos aldeamentos onde esses mesmos homens evangelizavam os nativos e os utilizavam como mão de obra. Ficaram conhecidos como sobados esses povoados e como amos os seus senhores.
O autor demonstra como estes membros da Companhia de Jesus defendiam ardorosamente as guerras feitas no interior e o próprio regime escravocrata que criaram em seus sobados. Um forneceria mais escravos e sendo escravizados essas "criaturas" poderiam ser melhor doutrinados. O argumento era de que estes povos não conseguiram ser evangelizados pelo bem, mas pela guerra, uma vez que demonstraram resistência inicial á fé católica. Esse é um discurso construído para proteger os amos, cuja maioria era composta por jesuítas.

Se padre Antônio Vieira pode ser visto como um dos maiores representantes da ideologia da escravidão no Brasil, então o jesuíta Baltazar Barreira detém o mesmo posto quando falamos de Luanda, atual Angola. O discurso do qual falamos acima pode ser atribuído em grande parte á esse mestre jesuíta que passou boa parte de sua vida entre os negros de Luanda, catequisando-os e explorando-os. Barreira não só creditava á escravidão motivos religiosos, mas também comerciais: escravos são mais baratos que trabalhadores assalariados, ainda mais em terras tão extensas.
Como podemos ver, a escravidão começa sim fora do Brasil e seu discurso legitimador também. Tanto a instituição como a ideologia migram para o Brasil e se fortalecem com o fortalecimento da economia açucareira e a queda da escravidão indígena (em alguns locais). A escravidão se tornara parte do projeto colonizador e conquistaria o seu lugar na mentalidade do povo brasileiro.


Referências:
ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

sábado, 16 de abril de 2011

Ideologias da Escravidão

Vinicius Alves do Amaral

No final da década de 1980, o historiador Ciro Flamarion Cardoso organizou um pequeno livro (A Escravidão e a Abolição no Brasil: Novas Perspectivas) sobre a escravidão negra no Brasil. Pequeno no número de folhas, mas rico em reflexões, principalmente historiográficas. Nós trataremos aqui de um de seus artigos: Escravidão, Ideologias e Sociedade de Ronaldo Vainfas.

Ronaldo Vainfas
Ronaldo Vainfas é um dos historiadores mais renomados quando se trata do Brasil Colonial. Seus estudos vão geralmente na linha da História das Mentalidades como Trópico dos Pecados e a Heresia dos Índios. Vainfas defende que compreender o mundo colonial passa pela religião, seja a praticada nas Igrejas ou as praticadas nas ruas e aldeias.
Flamarion Cardoso o criticou, no final da década de 1970, por excluir de suas análises históricas o peso da economia e da política, assim como ele atacava Ciro por estar muito ligado a um marxismo esquemático. Com o tempo, porém, ambos descartaram suas posições radicais e se tornaram grandes interlocutores, reconhecendo que em seus ataques iniciais nem tudo era verdade. Na introdução desse livro, Vainfas é elogiado pelo colega justamente por não considerar as mentalidades como uma espécie de estrutura mental toda-poderosa guiando os homens, como se só ela bastasse para entender a história, mas justamente por utilizá-la como espécie de complemento da vida econômica, política e social (na realidade, ele se apóia em uma interpretação da economia colonial e imperial construída por João Fragoso da qual falaremos em outra ocasião).

Cartaz norte-americano sobre fuga de escravos.
No artigo em questão, Vainfas inicia comparando os argumentos dos pensadores no Sul dos Estados Unidos com o dos brasileiros. Para ambos, a defesa da escravidão ia muito mais além da defesa da propriedade: era uma questão de sobrevivência de toda uma civilização! Acreditavam que a partir do momento em que os escravos fossem livres, toda hierarquia seria quebrada e seus costumes bárbaros influenciariam os brancos.
O maior exemplo dessa proximidade entre Brasil e EUA quando se trata de pensar a escravidão está no pensamento de dois patriarcas da independência destes dois países: Thomas Jefferson evitava tocar no tema, enquanto José Bonifácio defendia uma abolição lenta e gradual para evitar essa "anarquia". Ambos reconheciam essa instituição como um mal necessário tamanha a sua importância. Há outra semelhança entre eles: são liberais. Mesmo sendo liberais, ambos estão a meio caminho, como fala Vainfas, do abolicionismo e da legitimação escravista. Essa posição, nos mostrará o autor, será a semente do fim da escravidão.

Thomas Jefferson
José Bonifácio Silva Andrada
Como era a pensada a escravidão antes dos liberais? Ora, os maiores defensores da instituição no mundo colonial eram os membros da Companhia de Jesus. Criticam a escravidão indígena por barrar seu projeto missionário, mas toleram a escravidão africana. O que está em jogo não é a instituição, pois, para eles, ela era natural: há os que nascem para servir. Esse argumento, retirado de Aristóteles, podia ter como companheiro o argumento, mais ligado á tradição cristã, de que o homem negro é o descendente de Cam, aquele cuja prole foi marcada (acreditavam os teólogos que com a cor negra) e condenada a pagar pelo seu pecado.
O maior representante desses apologistas da escravidão africana era um dos maiores nomes da literatura portuguesa, padre Antônio Vieira. Seus sermões não só encorajaram os colonos e portugueses a lutarem contra os holandeses durante a Insurreição Pernambucana, mas também tentaram convencer os próprios escravos de que sua condição era justa. A escravidão era mera ilusão diante da fé, dizia ele, o que vale é a recompensa depois da morte: uma vida no Paraíso. Padre Vieira, criativo em fabricar metáforas, até compara o engenho ao cativeiro da Babilônia onde os judeus sofreram, mas, no final das contas, ganharam a liberdade. O engenho era o Inferno que tinham de passar antes de desfrutarem do Céu.

Padre Antônio Vieira
Outro grande defensor da escravidão no mundo colonial também era jesuíta: Jorge Benci. Esse padre italiano, tornou-se conhecido com seu livro Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (1700), um verdadeiro manual de como se deveria tratar os escravos. Repete a velha fórmula de escravidão como castigo pelo pecado de Cam, mas enumera, diferente de Vieira, métodos para controlar o escravo: moderar nos castigos, instruí-los na religião católica, tentar ser um exemplo para seus escravos.

Tanto o grande orador português como o jovem e obscuro padre italiano concordam, em muitos momentos, que os senhores estão longe de serem os donos da razão. Na maior parte das vezes são violentos e imorais, não ajudando, assim, na sua missão de civilizar os escravos. Essas críticas não significam uma oposição, mas apenas uma desavença menor. Ora, os jesuítas faziam parte da empresa colonial (como vimos antes, através do Padroado). Além disso, eles estavam empenhados na Contra-Reforma, no movimento de maior rigidez religiosa da Igreja Católica provocada pela Reforma Protestante, por isso a religiosidade negra, a miscigenação e o comportamento dos senhores era importante para ser constantemente vigiado.
Se senhores e jesuítas estavam no mesmo barco, isso não significa que eles pensavam da mesma forma: enquanto os jesuítas queriam uma escravidão patriarcal e cristã, os senhores continuavam com práticas como exagerar nas punições, deixar o domingos e feriados santos para que o escravo trabalhasse para ganhar um dinheiro a mais e manter padres longe deles, por exemplo. Os senhores não queriam o projeto de escravidão dos jesuítas, achavam que era mais uma intromissão sem motivo.

José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho
Eles deixam de serem incomodados quando a ordem é expulsa da colônia em 1760. O período Pombalino é conhecido por ser o começo da entrada dos ideais iluministas em Portugal e Brasil, mas tabém podemos ver "iluministas" defendendo a escravidão, como é o caso de José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (que, aliás, também era Bispo de Olinda). Voltamos, então, para a posição meio indecisa de Bonifácio e Jefferson. Essa posição é indecisa, pois os ideais liberais provocam um dilema: qual o direito mais importante, o da propriedade (do qual desfruta o senhor sobre seu escravo) ou o da liberdade (o qual deveria ser desfrutado pelo escravo)? Esse dilema, com o tempo, apenas se fortalece. No campo das políticas, a escravidão é prolongada, mas no campo das idéias, segundo Vainfas, ela está completamente arruinada na metade do século XIX. É tempo de abolicionismo em toda América, estão chegando os imigrantes e o liberalismo se consolida cada vez mais. A escravidão se esgota primeiro nas idéias e depois na realidade.

Na minha visão, esse é um texto que nos fornece uma interpretação muito geral sobre o assunto. Isso bom por um lado, torna compreensivo as mudanças históricas, por outro é ruim uma vez que não se aprofunda muito no assunto. O que provoca isso não é o pouco domínio do autor sobre o tema (muito pelo contrário, Vainfas domina como poucos a História do Brasil Colonial), mas o curto espaço que seu texto dispunha.
Assim, Vainfas tenta nos apresentar essa mentalidade escravista através de dois grandes nomes do mundo colonial: Vieira e Benci. Ainda tenta demonstrar a diversidade de formas que essa mentalidade assumia - a defendida por estes homens, por exemplo, era parte de uma visão religiosa. A diversidade era tanta que surgia desavenças entre senhores e inacianos. Essa mentalidade se adapta aos novos tempos inaugurados pelo liberalismo, mas não se adapta muito bem já que ele possui um "gene" quase que totalmente contrário á essa instituição. O que a suportou por tanto tempo seria uma leitura meio manca dessa ideologia nova (um liberalismo escravista) ou a simples omissão da escravidão dentro dos seus pensadores. Mas, a economia e a sociedade mudou tanto que ficou impossível  protegê-la por mais tempo.
O que se pode inferir é que, em se tratando da escravidão negra, a Igreja Católica, através dos jesuítas, foi a sua maior base, ela que fornecia os pretextos para legitimar essa instituição recriada pelo mercantilismo. Com o liberalismo temos um outro momento, onde a escravidão não tem vez, mas, por conta dos fortes vínculos do Brasil com essa instituição, foi protegida o máximo que pode. A consolidação do capitalismo, é o que se desprende do texto, mudou a mentalidade. Agora parece surgir a ideologia do trabalhador assalariado, algo que justifique sua existência como justificou a do escravo.

Referências:
VAINFAS, Ronaldo. Escravidão, Ideologias e Sociedade. In: CARDOSO, Ciro Flamarion (Org.). Escravidão e Abolição no Brasil: Novas Perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.