"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 7 de maio de 2011

Breves considerações sobre a formação histórica e cultural das populações da Amazônia

A seguir, comunicação proferida pelo Prof. Msc. Arcângelo Ferreira Silva no II Simpósio de História e Turismo:Reconstruído a Cultura da Amazônia”, realizado no Uninorte/Laureate (2011):


Breves considerações sobre a formação histórica e cultural das populações da Amazônia: (período pré-colonial e colonial)

Para reconstruir a cultura da Amazônia no período pré-colonial e colonial é necessário investigar historicamente a contribuição que as populações humanas trouxeram ao migrarem, primeiro, da África, Ásia, Malaio-Polinésia e Oceania há cerca de 30 a 60 mil anos atrás, quando chegaram a um continente que muito mais tarde se convencionou chamar de América e, depois, buscar a compreensão de como tais populações começaram a, também, ocupar os ecossistemas de terra firme e várzea na Amazônia de forma dispersa e diversa, aproximadamente há 8.500 anos.
Para tanto cabe a incipiente pergunta: como estavam as populações humanas da Amazônia antes da chegada dos primeiros europeus?
A História ao lançar para si este desafio precisa se ancorar em pesquisa de caráter interdisciplinar, visto que, para atingir o ameríndio lançará mão da etnologia, arqueologia e antropologia principalmente. Assim poderá, com certa segurança, conjecturar a partir dos indícios deixados pelos ameríndios ao longo dos tempos.
Os primeiros indícios, os mais evidentes, são os registros escritos e iconográficos deixados pelos cronistas e cartógrafos dos séculos XVI e XVII. Deles é possível extrair, por um lado, o imaginário europeu sobre a Amazônia e seus habitantes. Por sinal, marcado pela forte influência da tradição judaico-cristão e pela “consciência do fabuloso” (resquícios da mentalidade medieval). Por outro, a expectativa que via na Amazônia oportuna condição de exploração profícua. Ainda sobre estes primeiros indícios é possível conjecturar acerca do outro lado da história. Dizendo de outro modo, através do olhar dos cronistas, visualizar relações sociais, políticas, econômicas e culturais das populações humanas à chegada dos colonizadores alienígenas. É assim que ficamos sabendo da história, identidade, diversidade dos contingentes populacionais que ocupavam, principalmente, os ecossistemas de várzea.

As crônicas de Carvajal, Acuña, Altamirano, para citar alguns, são fontes importantes. Delas é possível perceber construções e ressignificações, por exemplo, da representação misógina sobre as mulheres guerreiras chamadas de Amazonas, assim como do estranhamento diante da magnitude da cultura omágua. Etnia omágua que mais tarde seria alvo da expedição em busca do El Dorado (Ursua e Aguirre). Assim como foi a escolhida pelos franciscanos e jesuítas para o processo da catequização/colonização, porque possuíam, dentre outras especificidades, uma organização social e política hierarquizada, o que a distinguia de outras etnias.
As informações sobre as populações pré-coloniais, deixadas pelos cronistas e analisadas pelos etnólogos, passariam a ser aceitas com mais convicção a partir das contribuições trazidos através de outros vestígios, estes agora encontrados pelos arqueólogos: a cultura material. Os vestígios arqueológicos, alias, ajudaram a refutar mitos quase que eternizados sobre os povos pré-cabralianos. A descoberta, por exemplo, de vários tipos de cerâmica, principalmente a policroma (tipo marajoara), contribuiu para que as informações deixadas por Carvajal sobre a etnia omágua não ficassem sob a égide da especulação. A descoberta da terra preta de índio é de crucial importância porque mostrou ao homem contemporâneo que o ameríndio da Amazônia, ao contrário do que defende adeptos do determinismo geográfico ( por exemplo, Betty Meggers), manejou o seu ambiente. Após estas descobertas é possível afirmar que por volta de 2.500 anos atrás as populações humanas da Amazônia passaram por uma espécie de “revolução neolítica” (nas palavras de Eduardo Góes Neves). Dizendo de outro modo, domesticando plantas descobriram a agricultura, mudaram sua dieta alimentar. Mais significativo, abandonaram gradativamente a vida nômade para viver de forma sedentária, ou seja, fixando-se em lugares, de preferência próximos das confluências de rios estratégicos (Amazonas, Solimões, Madeira, por exemplo.) desenvolveram sociedades cada vez mais densas, caracterizadas por complexidade de toda ordem.
A antropologia, ciência que tem como objeto de estudo “o homem na sua totalidade”, aprimorou o ofício do historiador. Com ela o historiador busca a alteridade das populações da Amazônia, nas suas mais diversas temporalidades. Nesse quadro, ao estudar o “outro”, melhor compreende o “eu” tendo como principal objetivo a busca da alteridade. Assim, reconstruindo a história pré-colonial e colonial e olhando, de forma problemática para a questão indígena, é possível afirmar que por muito tempo a cultura brasileira através de uma memória nacional ajudou a forjar um imaginário sobre a História do Brasil onde a cultura, melhor dizer as culturas, inerentes à Amazônia continuam sendo vistas de maneira estereotipada. Diante desta constatação cabe outra pergunta: de que maneira o historiador através de seu ofício pode ajudar a destruir esse monumento histórico: a tradicional história indígena?
Para “resgatar a cultura da Amazônia” é necessário, primeiro, questionar a idéia de cultura, como fez o professor Benedito do E. S. Pena Maciel na palestra inaugural deste simpósio, estimular projetos acadêmicos sobre a questão indígena como o curso de História do Uninorte junto a seus discentes, vem desenvolvendo através de grupo de estudos. Mas é acima de tudo, tomar uma atitude mais rigorosa e acurada no exercício do nosso ofício. Fazendo, por exemplo, como o historiador Victor Leonard através da obra Entre Árvores e Esquecimentos: história social nos sertões do Brasil , quando afirma no ensaio “Cultura Brasileira e a história da lentidão na história”, lembrando Jacques Le Goff, que somente através da construção de uma nova história da cultura indígena é possível mudar a vigente mentalidade pejorativa sobre os indígenas do Brasil e, por extensão, e principalmente, da Amazônia. Nessa linha, e em suma, como chamar de primitivos e selvagens as populações que souberam com extrema inteligência desenvolver um modo de produção sustentável que atravessou milênios (lembrando, por exemplo, que a indústria manufatureira da farinha tem aproximadamente 2.000 anos, probabilidade possível a partir de datações a partir do carbono 14)? Como desconsiderar as técnicas de reflorestamento, etnobotânica e a apicultura dos Kayapó? Assim como o conhecimento de geografia e cartografia dos Tupinambá? O que dizer do profícuo conhecimento multilíngüe dos Tukano do rio Uapés (de São Gabriel da Cachoeira - Amazonas)? São pertinentes problematizações que suscitam metodologia e teoria mais acuradas para esse árduo caminho: a reconstituição de uma cultura que ao longo da história foi subsumida pela memória e pela historiografia oficial: a cultura, dizendo melhor, as culturas indígenas da Amazônia.

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