"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 3 de dezembro de 2011

Da prática para teoria

No decorrer de nosso período surgiu a idéia de participar da V Semana de Educação, Ciência e Tecnologia desse ano com um pequeno vídeo sobre a presença negra no Amazonas. No entanto, a idéia ainda precisava ser melhor delimitada.
Por ocasião de uma visita á um senhor que tinha participado dos primórdios do movimento negro em Manaus por um grupo de membros do projeto de extensão (Anália Ferreira da Silva, Maria Lucirlei Barbosa e Maurílio Sayão) no bairro da Praça 14 surgiu a idéia de fazer um vídeo especificamente sobre o movimento negro local através de entrevistas com seus membros.
Já havia passado o prazo de inscrições para a V Semana de Educação, Ciência e Tecnologia. No entanto, havia ainda a XVIII Semana da Consciência Negra da Uninorte. Inicialmente defenderíamos em uma mesa-redonda nossas pesquisas, mas optou-se então por exibirmos nosso pequeno documentário no lugar desta apresentação.
Mais reuniões foram precisas para podermos conceder uma direção decisa ao documentário, inclusive na quantidade de entrevistados e na qualidade das perguntas feitas á eles. As primeiras entrevistas começaram no final de setembro, na Praça 14, e a última foi realizada no Instituto Geográfico Histórico do Amazonas (IGHA) no meio de outubro.
Apesar das inúmeras reuniões, faltou-nos um pouco mais de foco, o que pode ser notado na enxurrada de perguntas nas primeiras entrevistas. Outra deficiência foi sendo notada aos poucos: a construção de uma narrativa audiovisual. Nos aventuramos no terreno da linguagem cinemtográfica quase que totalmente "crus", no dizer de Anália Ferreira Silva. No entanto, conseguimos encontrar uma sequência racional e um tanto subjetiva para nosso vídeo.
O maior problema, contudo, veio da dobradinha falta de tempo/escassez de recursos. A qualidade de nossos equipamentos não interferiu tanto assim na produção, mas demandou muito tempo da equipe. Falando em tempo, descobrimos na pele o martírio da edição. Um trabalho que, segundo o editor que nos ajudou, Edson Egas, demanda 10% de conhecimento e 90% de paciência. Passamos mais de cinco dias na ilha de edição, cortando e emendando pedaços de nosso vídeo, tentando transformá-lo em uma produção curta e compreensível.
Assim chegamos em novembro (o filme foi ser finalizado um dia antes da sua apresentação) com um curta-metragem de 26 minutos, fruto do trabalho de Antônio Everton de Andrade, Francisca Anália Ferreira da Silva, Maria Lucirlei Barbosa, Maurílio Sayão e Vinicius Alves do Amaral, sendo sempre orientados pelo Prof. Msc. Arcângelo Ferreira da Silva.
O vídeo, no entanto, ainda não está finalizado. Pretendemos consertar alguns pequenos erros para deixá-lo, enfim, pronto. A experiência foi trabalhosa e dura, mas, confesso, realizadora. Enxergamos nesse filão, do documentário, um caminho de ótimas possibilidades - educacionais, comerciais, profissionais, etc. O audiovisual é um canal perfeito para divulgarmos, como pretendemos, esse conhecimento tão raro sobre nossa terra.
No entanto, ainda temos um longo caminho pela frente. Não possuímos ainda bons recursos e nem dominamos a linguagem dos documentários. Enquanto não encontramos um bom financiamento para a aparelhagem, procuramos investir num conhecimento mais aprofundado sobre as técnicas cinematográficas. Quem sabe, aí está o embrião de um novo cineclube ou, sendo otimista, de uma nova produtora de filmes. O que importa é que não paramos por aí e em breve todos poderão ver os resultados de nossas discussões e de nossos trabalhos. Interessante que na criação do vídeo fizemos o caminho inverso da pesquisa histórica: saímos da prática em direção á teoria.

Da teoria para a prática


Um dos objetivos iniciais desse semestre era entrar em contato com autores consagrados para analisar seus aportes teóricos. Com essa meta lemos e discutimos nas reuniões os seguintes textos:
-A História Vista de Baixo, Jim Sharpe;
-Microhistória, Giovanni Levi;
-O Grande Massacre de Gatos, Robert Darnton;
-O Inquisidor como Antropólogo, Carlo Ginzburg.

Faremos a seguir um breve apanhado destas análises:
Sobre o primeiro texto, entramos em contato com a tão falada História Vista de Baixo e descobrimos como tal termo pode ser tão múltiplo de sentidos. A História Vista de Baixo pode ser desde uma biografia sobre um soldado raso até um estudo sobre uma comunidade pobre européia. O essencial é que sua perspectiva sempre parte de esferas não institucionais ou tradicionais (se entendermos uma história dos grandes homens e dos acontecimentos importantes como tradicional).

Giovanni Levi
A seguir, no artigo do historiador italiano Giovanni Levi, encontramos outro campo muito popular na historiografia: a Microhistória. O autor tenta nos definir como Microhistória, apesar da mutiplicidade de sentidos que ela pode adquirir, uma análise que reduz a sua escala, ou seja, que se concentra em processos e personagens mais concretos e restritos, sem perder de vista a articulação deles com o seu contexto histórico. A Microhistória procura o singular, por isso ela reduz sua escala de observação, e não renega a narrativa, como vinham fazendo outras correntes com medo da História ser confundida novamente com a Literatura.
Em O Grande Massacre de Gatos somos apresentados ao duro mundo do proletariado francês antes da Revolução Francesa através da morte de vários gatos. Darnton se impressiona com tal acontecimeno e se impressiona mais ainda com a reação dos homens que os mataram: todos morreram de rir. Aos poucos ele vai desvendando os significados dessa ação e descobre que os assassinos dos gatos (que eram tipógrafos) estavam descontando a fúria de seu patrão em seus gatos. Esse é um estudo de História Cultural, pois se aventura pelo horizonte cultural da França pré-revolucionária na procura dos significados de uma massacre de gatos.

Robert Darnton
No ensaio provocador de Ginzburg, um inquisidor e um antropólogo são confrontados. O autor tenta extrair suas semelhanças e suas diferenças. A primeira semelhança diz respeito á investigação: tanto o o inquisidor como o antropólogo estão investigando alguma coisa ou alguém. Ambos colhem relatos e procuram interpretá-los para extrair deles um significado, uma verdade. Aí temos a grande diferença: o inquisidor procura uma verdade com base nos critérios de sua própria fé, enquanto o antropólogo não pode cometer esse pecado capital das Ciências Sociais, o etnocentrismo.


Foto: Sebastião Salgado.
E agora, qual a contribuição para nosso tema de estudo:
Antes de tudo, qualquer pesquisa precisa estar bem fundamentada, precisa de conceitos sólidos. Essa é a importância da teoria, fornecer conceitos para uma pesquisa poder apresentar uma tese, um problema. A leitura desses textos, bem como qualquer outro da disciplina Teoria da História, por si só já é válida por nos familiarizar com alguns dos muitos referenciais teóricos da historiografia.
O artigo de Jim Sharpe nos elucida um pouco sobre um conceito tão conhecido e nos brinda com alguns pontos interessantes: primeiro, que a História Vista de Baixo não pode ser uma simples revanche á história tradicional, a história dos vencedores, pelo contrário, ela não pode descartar a "história vista de cima", pois a sociedade é formada por estas duas esferas. E, segundo lugar, esse campo, mais que os outros, implica em um comprometimento político com as classes menos favorecidas. Em outras palavras, todos aqueles que podem ser classificados como as "classes de baixo" (e são muitos) não são apenas objetos de estudo, mas seres humanos.
Aqui temos a reiteração do pedido de Walter Benjamin de que o historiador não se torne apenas um observador, mas que também se engaje, participe da sociedade ativamente. Acredito, que em relação ao nosso tema, estes dois pontos nos ajudam a pensar a História para além do relato frio e do ressentimento historiográfico, ainda mais para culturas tão marginalizadas e tão próximas de nós.
Já Levi nos estimulou o gosto pelo singular e pela narrativa. A Microhistória traz esse gosto especial pela pesquisa, pela garimpagem nos arquivos atrás de alguma pepita tal como um certo moleiro que tinha sua própria opinião sobre a criação do mundo. Um gosto pela pesquisa e um comprometimento para com o leitor. O que se pode inferir do texto é que o microhistoriador deve estar muito bem sintonizado com a pesquisa e com o modo como ele a apresenta. Afinal, a Microhistória, assim como a História Vista de Baixo, diz respeito aos "excluídos da História" e para tanto é preciso que seus estudiosos não cometam o mesmo erro de seus antecessores produzindo uma história que não seja endereçada ás pessoas fora da academia, criando assim mais "excluídos da História".
Levi também nos fez ver o grande peso da Antropologia para a História, peso esse que pode ser melhor percebido em O Grande Massacre de Gatos, onde os métodos antropológico como a descrição densa e o estranhamento guiaram a pesquisa histórica. Métodos esses que nos ajudam a enxergar onde menos se espera algo extremamente válido. São quase os mesmos métodos defendidos por Ginzburg no último texto. Estes métodos são tão preciosos porque eles ajudam a vencer o problema das fontes: quando se trata dos "excluídos da História" não há quase fontes, por isso é preciso utilizar a "leitura á contrapelo" e a descrição densa, por exemplo.
Estes três últimos textos nos inquietou bastante, porque diz respeito á uma situação que estamos enfrentando á tempo: a falta de fontes sobre os negros na cidade de Manaus. Claro que existem algumas, mas são sempre fontes produzidas por autoridades, cheias portanto de etnocentrismo. É aí que entra o relativismo da Antropologia, para depurar estes preconceitos das fontes e assim, talvez, encontrar um pedaço da real condição do negro nos primórdios da República em Manaus, por exemplo.
No tocante ao comprometimento, o qual frisamos inúmeras vezes, diz respeito á outra situação: a nossa condição de projeto de extensão, ou seja, de um projeto que vise ter uma relação com a comunidade. É necessário, portanto, desde já termos em mente como podemos produzir algo bem consolidado metodologicamente sem perder de vista o leitor á quem estamos o endereçando.

Novo semestre, novas responsabilidades

Quem acompanha nosso blog deve ter certamente percebido que não publicamos nossas resenhas sobre os textos discutidos em nossas reuniões. Nós as publicaremos sim, só não o fizemos por conta de uma nova atividade que tomou boa parte de nosso tempo, durante e após as reuniões semanais: a criação de um vídeo sobre o movimento negro no Amazonas.
Foi uma ação ousada, reconhecemos, e muito trabalhosa, como podemos verificar nas últimas semanas. No entanto, realizadora. A proposta inicial era preparar um curta para ser apresentado na XVIII Semana da Consciência Negra da Uninorte, mas já planejamos repetir a experiência, agora com mais calma e com mais recursos.
Quem quiser maiores detalhes pode ficar tranquilo, pois disponibilizaremos nesse espaço mais informações sobre nossa experiência.