"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 3 de dezembro de 2011

Da teoria para a prática


Um dos objetivos iniciais desse semestre era entrar em contato com autores consagrados para analisar seus aportes teóricos. Com essa meta lemos e discutimos nas reuniões os seguintes textos:
-A História Vista de Baixo, Jim Sharpe;
-Microhistória, Giovanni Levi;
-O Grande Massacre de Gatos, Robert Darnton;
-O Inquisidor como Antropólogo, Carlo Ginzburg.

Faremos a seguir um breve apanhado destas análises:
Sobre o primeiro texto, entramos em contato com a tão falada História Vista de Baixo e descobrimos como tal termo pode ser tão múltiplo de sentidos. A História Vista de Baixo pode ser desde uma biografia sobre um soldado raso até um estudo sobre uma comunidade pobre européia. O essencial é que sua perspectiva sempre parte de esferas não institucionais ou tradicionais (se entendermos uma história dos grandes homens e dos acontecimentos importantes como tradicional).

Giovanni Levi
A seguir, no artigo do historiador italiano Giovanni Levi, encontramos outro campo muito popular na historiografia: a Microhistória. O autor tenta nos definir como Microhistória, apesar da mutiplicidade de sentidos que ela pode adquirir, uma análise que reduz a sua escala, ou seja, que se concentra em processos e personagens mais concretos e restritos, sem perder de vista a articulação deles com o seu contexto histórico. A Microhistória procura o singular, por isso ela reduz sua escala de observação, e não renega a narrativa, como vinham fazendo outras correntes com medo da História ser confundida novamente com a Literatura.
Em O Grande Massacre de Gatos somos apresentados ao duro mundo do proletariado francês antes da Revolução Francesa através da morte de vários gatos. Darnton se impressiona com tal acontecimeno e se impressiona mais ainda com a reação dos homens que os mataram: todos morreram de rir. Aos poucos ele vai desvendando os significados dessa ação e descobre que os assassinos dos gatos (que eram tipógrafos) estavam descontando a fúria de seu patrão em seus gatos. Esse é um estudo de História Cultural, pois se aventura pelo horizonte cultural da França pré-revolucionária na procura dos significados de uma massacre de gatos.

Robert Darnton
No ensaio provocador de Ginzburg, um inquisidor e um antropólogo são confrontados. O autor tenta extrair suas semelhanças e suas diferenças. A primeira semelhança diz respeito á investigação: tanto o o inquisidor como o antropólogo estão investigando alguma coisa ou alguém. Ambos colhem relatos e procuram interpretá-los para extrair deles um significado, uma verdade. Aí temos a grande diferença: o inquisidor procura uma verdade com base nos critérios de sua própria fé, enquanto o antropólogo não pode cometer esse pecado capital das Ciências Sociais, o etnocentrismo.


Foto: Sebastião Salgado.
E agora, qual a contribuição para nosso tema de estudo:
Antes de tudo, qualquer pesquisa precisa estar bem fundamentada, precisa de conceitos sólidos. Essa é a importância da teoria, fornecer conceitos para uma pesquisa poder apresentar uma tese, um problema. A leitura desses textos, bem como qualquer outro da disciplina Teoria da História, por si só já é válida por nos familiarizar com alguns dos muitos referenciais teóricos da historiografia.
O artigo de Jim Sharpe nos elucida um pouco sobre um conceito tão conhecido e nos brinda com alguns pontos interessantes: primeiro, que a História Vista de Baixo não pode ser uma simples revanche á história tradicional, a história dos vencedores, pelo contrário, ela não pode descartar a "história vista de cima", pois a sociedade é formada por estas duas esferas. E, segundo lugar, esse campo, mais que os outros, implica em um comprometimento político com as classes menos favorecidas. Em outras palavras, todos aqueles que podem ser classificados como as "classes de baixo" (e são muitos) não são apenas objetos de estudo, mas seres humanos.
Aqui temos a reiteração do pedido de Walter Benjamin de que o historiador não se torne apenas um observador, mas que também se engaje, participe da sociedade ativamente. Acredito, que em relação ao nosso tema, estes dois pontos nos ajudam a pensar a História para além do relato frio e do ressentimento historiográfico, ainda mais para culturas tão marginalizadas e tão próximas de nós.
Já Levi nos estimulou o gosto pelo singular e pela narrativa. A Microhistória traz esse gosto especial pela pesquisa, pela garimpagem nos arquivos atrás de alguma pepita tal como um certo moleiro que tinha sua própria opinião sobre a criação do mundo. Um gosto pela pesquisa e um comprometimento para com o leitor. O que se pode inferir do texto é que o microhistoriador deve estar muito bem sintonizado com a pesquisa e com o modo como ele a apresenta. Afinal, a Microhistória, assim como a História Vista de Baixo, diz respeito aos "excluídos da História" e para tanto é preciso que seus estudiosos não cometam o mesmo erro de seus antecessores produzindo uma história que não seja endereçada ás pessoas fora da academia, criando assim mais "excluídos da História".
Levi também nos fez ver o grande peso da Antropologia para a História, peso esse que pode ser melhor percebido em O Grande Massacre de Gatos, onde os métodos antropológico como a descrição densa e o estranhamento guiaram a pesquisa histórica. Métodos esses que nos ajudam a enxergar onde menos se espera algo extremamente válido. São quase os mesmos métodos defendidos por Ginzburg no último texto. Estes métodos são tão preciosos porque eles ajudam a vencer o problema das fontes: quando se trata dos "excluídos da História" não há quase fontes, por isso é preciso utilizar a "leitura á contrapelo" e a descrição densa, por exemplo.
Estes três últimos textos nos inquietou bastante, porque diz respeito á uma situação que estamos enfrentando á tempo: a falta de fontes sobre os negros na cidade de Manaus. Claro que existem algumas, mas são sempre fontes produzidas por autoridades, cheias portanto de etnocentrismo. É aí que entra o relativismo da Antropologia, para depurar estes preconceitos das fontes e assim, talvez, encontrar um pedaço da real condição do negro nos primórdios da República em Manaus, por exemplo.
No tocante ao comprometimento, o qual frisamos inúmeras vezes, diz respeito á outra situação: a nossa condição de projeto de extensão, ou seja, de um projeto que vise ter uma relação com a comunidade. É necessário, portanto, desde já termos em mente como podemos produzir algo bem consolidado metodologicamente sem perder de vista o leitor á quem estamos o endereçando.

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