"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ideologias da Escravidão II

Vinicius Alves do Amaral

Hoje falaremos sobre as considerações do historiador Luís Felipe de Alencastro sobre a escravidão africana. Pegamos um enxerto de seu maravilhoso livro O Trato dos Viventes. No trecho em questão, o autor fala de como foi construído um discurso sobre a escravidão africana enquanto se entrava em contato com as nações africanas. Discurso esse mediado, em boa parte, pelos jesuítas.

Luis Felipe de Alencastro
 Falemos primeiro do nosso autor: Alencastro é formado em História e Ciências Políticas, sendo que tanto uma quanto a outra foram cursadas na França. Atualmente, dá aulas na Universidade de Paris-Sourbonne e possui colunas em muitos jornais brasileiros. O estilo de Luís Felipe é claro e fluído, por isso seu livro, apesar de assustar os leitores convencionais pelo tamanho, tem sido muito bem recebido entre historiadores e leigos.
A tese central de seu livro é de que o Brasil se formou fora do Brasil, em outras palavras, as experiências da colonização portuguesa na África Ocidental se tornaram práticas depois incorporadas na colônia do Brasil. Lá está a monocultura, a mineração, o comércio, a doação de terras, a formação dos latifúndios e, é claro, a escravidão sustentando toda essa economia. Alencastro enxerga muito mais que o Brasil, ele enxerga o Brasil interagindo com Portugal e a África. A maior prova desse intercâmbio está no trâfico negreiro.
Na parte em que nos deteremos, ele irá nos mostrar como todo o aparato escravocrata foi construído e legitimado.
O encontro dos portugueses com as sociedades africanas começou pela costa do continente, na tentativa de se chegar ás Índias, por meio da fundação de pequenos postos onde se trocavam mercadorias com produtos locais, dentre eles os prisioneiros de guerra escravizados pelas tribos inimigas. Antes do Brasil ser "descoberto" e das verdadeira Índias serem alcançadas, os portugueses já utilizavam a mão-de-obra escrava africana em algumas de suas colônias, como nas ilhas Canárias e da Madeira, por exemplo.
O tráfico de escravos já era uma rede comercial antiga no continente africano, como Alberto da Costa e Silva nos demonstra em seus livros, sustentada pelas guerras tribais e pelos impérios locais, mas o mercantilismo português o explorou ao máximo.

Diogo Cão chega ao Congo.
Cada região teve sua peculiaridade dentro dessa transformação colonialista e escravocrata, claro, e Alencastro privilegia em seu capítulo o território da atual Angola. Essa região fora conquistada com guerras sangrentas entre os soldados do Reino de Ndongo contra os colonizadores, através das tropas de Diogo Cão. Em pouco tempo, os jesuítas haviam se instalado na área dominada, enquanto os colonos avançavam para o interior. Formou-se então pequenos aldeamentos onde esses mesmos homens evangelizavam os nativos e os utilizavam como mão de obra. Ficaram conhecidos como sobados esses povoados e como amos os seus senhores.
O autor demonstra como estes membros da Companhia de Jesus defendiam ardorosamente as guerras feitas no interior e o próprio regime escravocrata que criaram em seus sobados. Um forneceria mais escravos e sendo escravizados essas "criaturas" poderiam ser melhor doutrinados. O argumento era de que estes povos não conseguiram ser evangelizados pelo bem, mas pela guerra, uma vez que demonstraram resistência inicial á fé católica. Esse é um discurso construído para proteger os amos, cuja maioria era composta por jesuítas.

Se padre Antônio Vieira pode ser visto como um dos maiores representantes da ideologia da escravidão no Brasil, então o jesuíta Baltazar Barreira detém o mesmo posto quando falamos de Luanda, atual Angola. O discurso do qual falamos acima pode ser atribuído em grande parte á esse mestre jesuíta que passou boa parte de sua vida entre os negros de Luanda, catequisando-os e explorando-os. Barreira não só creditava á escravidão motivos religiosos, mas também comerciais: escravos são mais baratos que trabalhadores assalariados, ainda mais em terras tão extensas.
Como podemos ver, a escravidão começa sim fora do Brasil e seu discurso legitimador também. Tanto a instituição como a ideologia migram para o Brasil e se fortalecem com o fortalecimento da economia açucareira e a queda da escravidão indígena (em alguns locais). A escravidão se tornara parte do projeto colonizador e conquistaria o seu lugar na mentalidade do povo brasileiro.


Referências:
ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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