"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Novo Semestre

De volta das merecidas férias, nosso grupo de estudo começa nesse período com duas novas diretrizes:
a) Nesse semestre nos dedicaremos á pesquisa, principalmente sobre o negro na história do Amazonas;

b) Como forma de clarear os passos dessa nova empreitada, inicialmente nos concentraremos em discussões teóricas e posteriormente nas fontes e na análise sobre elas.

Após falarmos sobre tudo o que foi produzido sobre o negro e o indígena no Brasil, chegou a hora de tratarmos do tema em nossa região através da pesquisa. E uma pesquisa necessita de arcabouço teórico para se sustentar. É o que nós veremos nessas primeiras reuniões: seremos apresentados á algumas teorias, para escolhermos enfim qual mais se adapta á nossa pesquisa.
Por isso foi recomendado por nosso orientador, Prof. Msc. Arcângelo Ferreira da Silva, a leitura dos artigos A História Vista de Baixo de Jim Sharpe e Microhistória de Giovanni Levi. A análise desses textos, portanto, será postada aqui nos próximos dias.

sábado, 3 de setembro de 2011

Diversidade e Complexidade

Ao final do semestre, fomos convidados pelo Professor Arcângelo Ferreira para refletir sobre os textos que passaram por nossas mãos nesse período. E aqui estão nossas considerações.
Em primeiro lugar, dedicamos a compreender a cultura indígena e percebemos que ela só pode ser entendida se levarmos em conta sua dinâmica e sua complexidade. Para alcançarmos tal objetivo precisamos nos despir de preconceitos que nos são passados há anos, sejam pela família ou pela escola. Que preconceitos são esses? "Índio é tudo igual", "índio é preguiçoso", "índio de verdade vive no mato" e "índio é coisa do passado".
Assim sendo, as leituras que fizemos de Victor Leonardi e João Pacheco de Oliveira foram essenciais para relativizarmos essas visões que estão tão enraizadas em nossa sociedade.
Em segundo lugar, partimos para a análise das sociedades indígenas. No meio de tantas, nos focamos em algumas como os Cambebas, Pano, Ashaninca, etc. Os artigos nos oferecem uma visão interessante sobre cada uma delas e permitem chegarmos á conclusão de que não existe uma sociedade indígena, mas várias. Sob o termo genérico de "índio" se escondem sociedades tão diferentes entre si como os diplomáticos e fechados Ashaninca e os guerreiros e plásticos Panos. Essa complexidade precisa ser recuperada.
Os artigos produziram também um interessante debate sobre cultura. O que é cultura? Pode se perder uma cultura? Foram inquietações que nasceram justamente do artigo de Benedito Maciel Espírito Santo sobre a memória e seu uso para reafirmar a identidade Cambeba. Sua palestra por ocasião da Semana Indígena da Uninorte sobre cultura também foram esclarecedoras.
Descobrimos, por meio desse debate, de que não se pode perder uma cultura, ela apenas se resignifica e é o que tem acontecido com os povos indígenas. O indígena reconstrói sua identidade. Não podemos enxergá-lo apenas como vítima ou como um sujeito passivo diante de um processo inevitável.
Questionados sobre a contribuição dos textos, a maioria dos membros do grupo de estudo concordam que eles ajudaram a enxergar o indígena além dos preconceitos e dos reducionismos. Muitas problematizações foram oferecidas durante as discussões: O indígena está perdendo sua cultura? O indígena não reagiu? Será o indígena realmente preguiçoso ou selvagem? E quanto ao homem branco que tentou escravizá-lo e até hoje não conseguiu viver melhor sem ter que destruir o meio ambiente?
A questão indígena está diretamente relacionada com uma série de questões como a sustentabilidade, a reforma agrária, a corrupção política, etc. Ao nos debruçar sobre ela não estamos apenas analisando a problemática cultural e histórica da construção de nosso país e de nossa região, mas também estamos questionando outras esferas da nossa sociedade. Nada está totalmente separado: passado e presente, povos indígenas e questão fundiária, identidade e globalização, etc. Justamente por compreender dentro de si tantas ligações a realidade é tão complexa. O entendimento sobre essa complexidade será um dos caminhos para saná-la de seus problemas. Por isso esperamos que após esse breve comentário o leitor pense duas vezes antes de classificar indígenas de preguiçosos ou selvagens.

Uma singular pluralidade: a etno-história Pano

Nosso blog andou temporariamente parado por conta de um vírus que infectou o computador do responsável por atualizá-lo. Agora finalmente sanado o problema publicaremos um dos últimos textos analisados no semestre passado.

ERIKSON, Philippe. Uma Singular Pluralidade: a etno-história Pano. In: CUNHA, Manuela Carneiro (0rg). História dos Índios no Brasil. SP, Companhia das Letras-Secretaria Municipal de Cultura. PAPESP.1992, p. 239 a 252.

Uma Singular Pluarlidade: a Etno-História Pano

Por Maria Lucirlei Barbosa



Philippe Erikson é um pesquisador francês com PhD. em Antropologia e Etnologia pela Universidade de Paris X. Realizou sua pesquisa entre 2005 e 2008, patrocinada pela fundação Wolkswagen com o objetivo de produzir uma etno-história dos povos amazônicos. Sua pesquisa se foca em um povo em específico: os Panos.
Descreve inicialmente a pré-história dos Panos, destacando as inúmeras discussões sobre as mutações sofridas até a chegada dos europeus e condições atuais. No entanto, seu trabalho se debruçará sobre as relações mantidas pelos Panos com outras etnias indígenas. Esse é o grande diferencial do estudo de Eriksson: ir além do já suficientemente discutido relacionamento entre a cultura indígena e a cultura européia  ao abordar os conflitos e alianças mantidas dentro da primeira. Ao delinear as áreas de ocupação e processo de migrações destes povos o autor deixa transparecer a riqueza da organização cultural deste povo milenar e a sua mutilação cultural principalmente século XX na era do boom da borracha.
Um membro dos Matis, um dos muitos povos que compõem a etnia Pano.
Sua pesquisa contou com diversas fontes, sendo a mais emblemática os documentos produzidos pelos cronistas. Eles eram, em sua maioria, missionários e seu interesse em conhecer a cultura indígena nos forneceu ótimo material sobre os Panos na época.  São deles os mais completos dicionários e gramáticas da língua Pano, que foram utilizados inclusive pelos antropólogos atuais - sendo os trabalhos destes também parte das fontes analisadas por Eriksson.
O que essas fontes tem em comum, além das pistas sobre o cotidiano dos povos dessa etnia, é justamente esse seu interesse linguístico. O autor acredita que a língua seja a identidade mantida por esse povo. As mudanças nela são mais superficiais que as demais. As variações são muitas, mas nada que desfigure totalmente o idioma, de modo que dois membros do mesmo tronco Pano, mas de grupos diferentes possam se entender.
O texto de Philippe Erikson apresenta os grupos e subgrupos do tronco linguístico, do que ele convencionou chamar “família Pano”, justamente para demonstrar que a língua Pano não está presa a um único grupo étnico. Distribuída numa vasta área geográfica, do sul da Bolívia adentrando região de Rondônia, Amazonas até o norte do Peru.  Especialistas em lingüística afirmam ser possível encontrar “82 línguas diferentes da família pano [...] bem diferente dos Yanomami com apenas meia dúzia” (ERIKSON, 1992, p. 240).
Moradores de um povoado Pano observam o helicóptero que sobrevoa a região.
Segundo o autor, atualmente os Panos que dominam este tronco linguístico chegam a 30 mil pessoas, divididos em grupos e subgrupos. O maior grupo é dos Shipibo-Conibo-Shetebo e ocupam as margens do Ucayali e chega a mais ou menos 20 mil pessoas. Fora esse imenso bloco segue mais seis grupos: os Chacobo, Pacaguara, Karipuna, Kaxakari), os Yaminawa, os Amahuaca, os Kaxinawa, os Cashibo, os Mayoruna. Suas organizações políticas são diferenciadas de uma para outra etnia. A explicação para isso está em seu passado.
Os Panos faziam parte das diversas etnias que viviam na região subandina. Sua relação com os Arawak e com o Império Inca era ambígua: comércio, por um lado, e guerra, por outro. Uma migração em massa foi feita por conta dos ataques dos Arawak. Assim, eles vieram a se estabelecer onde vivem atualmente. Entrarem em contato com as etnias que já habitavam o local, se adaptando a ele: aprenderam a agricultura da floresta tropical, mas não se esqueceram da produção de tecidos que faziam na região subandina. Eriksson encontra nos relatos dos cronistas e dos antropólogos muito da cultura Arawak, Omágua e inca, por exemplo.
É essa inter-relação amigável com outras etnias que permitiu que ela acolhesse tantas culturas diferentes. Essa é a sua singularidade. Uma singularidade que conseguiu sobreviver a colonização graças á seu relativo distanciamento, mas que foi fortemente abalada com o boom da borracha. Foi nessa época que os Panos tiveram de dividir seu espaço com os seringueiros. Os conflitos eram muitos, mas também havia casos de indígenas serem escravizados ou contratados pelos seringalistas. A etnia se desestruturou e até hoje ainda enfrenta muitos desafios para se recuperar dessa infeliz influência do mundo do "homem branco".
É interessante encontrarmos um etnia que tenha como singularidade esse sentimento de alteridade. Vimos em textos anteriores como os povos indígenas são diversos, possuindo sua particularidade. Os Panos tem essa preocupação com o Outro como particularidade e é se adaptando, sem perder de fato sua identidade, que eles sempre se renovam.
O artigo de Eriksson é, portanto, extremamente proveitoso porque nos oferece a oportunidade de analisarmos a relação entre os próprios povos indígenas e por nos apresentar o grande e inusitado diferencial da etnia em questão: a alteridade. Logo ela, que é um paradigma perseguido por antropólogos e historiadores para que se respeite as coletividades, principalmente as culturas indígenas.