"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 14 de maio de 2011

Entre os rios da memória: História e resistência dos Cambeba na Amazônia brasileira

Abaixo, o fichamento de um artigo do Prof. Benedito Espírito Santo Pena Maciel feito pelo participante Raoni Lopes:

Entre os rios da memória: História e resistência dos Cambeba na Amazônia brasileira.

Benedito do E. S. P Maciel

Ilustração de Alexandre Rodrigues Ferreira sobre um indígena na nação Cambeba.


Introdução

1.1Falar sobre a história e memória dos Cambeba é revelar uma fase do processo de colonização e construção do estado brasileiro. E o processo não se deu de mão única, a partir dos colonizadores. Mesmo até "aceitando" a nova ordem, estão disposto a reconstruirá sua vida e história.

1.2 A memória escrita pelos vencedores transformou-se em ideologia, demonstrando seu poder destruição indígena, assim necessário pensar como a memória cambeba transformou em memória história. Pois a documentação colonial, mostra a importância desta etnia por sua demografia e por sua organização social, e por outro, como um visão por estereótipos tradicional.

1.3 A partir das noções Memória Coletiva de Maurice Halbwachs, e de Memória Subterrânea e Memória em Disputa em Michel Pollack, também discutindo como os cambeba: a) memória coletiva como reafirmação da identidade; b) busca dos lugares que passam pela memória; c) interesse em preservar a memória através da escola e do registro escrito.

1.4 Por conseqüência do processo de colonização, os Cambeba, são tidos extintos no meado do século XVIII. Além disso, desaparecendo da documentação oficial, sendo mencionados por cronistas no século XIX. Ainda que duzentos anos aguardaram em silêncio nas sombras da sociedade majoritária uma memória coletiva.

1.5 Os Cambeba reapareceram no cenário indígena a partir de 1980 do século XX no Movimento Indigenista no rio Solimões, se reorganizando etnicamente em função de conquistas. Hoje chegando a 325 pessoas no meio e baixo Solimões e também na capital.

Memória como construção social

2.1 Maurice Halbwachs, desenvolver o conceito de Memória Coletiva e relacionando e diferenciando, com os conceitos de Memória Individual chama-se também Memória Autobiográfica e o de Memória História sendo que a primeira apóia na segunda, tendo a segunda de forma resumida esquemática.

2.2 "... A memória pessoal é produzida a partir de nossa experiência cotidiana na família, na escola, no ciclo de amigos, enquanto que a memória que corresponde aos acontecimentos da nação que geralmente não vivemos, mas que conhecemos através de uma certa tradição, geralmente, escrita..." (p.198)

2.3 Halbwachs questiona uma perspectiva individual e psicologia, logo que lembrar tem haver com "outro", assim ao coletivo. Por isso nossa lembrança é coletiva, mesmo que estivemos sozinhos. E que lembrar é interferência da comunidade, assim como esquecer também é produto dessa relação social.

2.4.1 A lembrança individual é informada pelos interesses e necessidades em grupo, por outro lado, isso só tem eco quando acontece um acordo com seu sentimento e interesse. Halbwachs, somente pode haver aproximação se atingir interesse comum entre sociedade e individuo, mas admitindo uma Intuição Social que é estado de consciência individual.

2.4.2 Então o autor questiona: qual é a conexão entre lembrança individual e a Memória Social ? Pois Halbwchs entende que a soma ou conjunto de memória não é suficiente para existência de uma memória coletiva.

2.5 A Memória Coletiva não é somatória e a evolução por sua própria leis. E nem conjunto como referência da existência. Assim a memória coletiva estrutura-se em um grupo, espaço e tempo onde conserva ou reencontra a imagem do passado. Assim memória coletiva está relacionada com a identidade.

2.6 É perceptível que na diversidade de memórias coletivas haja uma "memória vencedora" em detrimento as outras, habitando espaço marginais e subterrâneos, assim a memória nacional não é múltipla, mas excludente.

2.6.1 Assim a noção de Memória subterrânea e Memória em disputa, de Michel Pollack estão numa compreensão onde a Subterrânea mantêm um trabalho subversivo no silencio, imperceptível, aparecendo num momento de crise em sobressalto. Assim a Memória em disputa é a manutenção de uma memória na sociedade que seda na disputa de grupos sociais.

2.7 Para Pierre Nora a Memória está em evolução, aberta à dialética da lembrança/esquecimento vulnerável a qualquer uso, diferente da História que é uma reconstrução "problemática e imperfeita" uma operação intelectual.

2.8 A separação entre História e Memória não é tão simples, pois há uma transformação na memória de quem vence, marcando pelo caráter ideológico, logo que sabemos sobre o "descoberta da América" a não ser por quem descobriu? Conclui que fazer história é fazer memória.

2.9 Citações Walter Benjamin

2.10. Já Montenegro (1992) ao analisar Halbwachs fala que o sociólogo está distante da abordagem histográfica ultimamente. No entanto concorda com Halbwachs na distinção de Memória e História.

2.11 "... O historiador ao escolher seus temas e seus problemas não pode fazê-lo de forma impessoal e a-história. É o vivido que se mistura com refletido e com o esperado, na malhas do tecido social..." (p. 202) E essa operação intelectuais opõe para dentro e fora de seu tempo, recolocando em sua temporalidade.

2.12 E assim afirma o autor, podemos pensar que e Memória dos Cambeba foi criada pelos colonizadores, e com os índios preservaram sua memória, sendo esquecida pela memória oficial, para manter a lembrança da cultura e reafirma-se da década 1980.

2.13 Os viajantes e cientistas nos séculos XVI, XVII, XVIII com certa admiração e espanto não só pela cultura, mas também demografia e organização social, mas com maior "razão" (Acuña) ou "figura elegante" (Ferreira).

2.14 Embora as demais povos observem os Cambeba através do estereótipo tradicional (gentil, ocioso, selvagem, etc.).

2.15 O estereótipo tradicional serviu a interesse de quem "tinha ou tem o poder produzir memória". Exemplo, Pedro Teixeira, registrando-os com "mui carniceira". Mas além de contradizer Acuña é uma demonstração para a identidade quem "escreve a história" em um escala de valor à etnocentrismo.

2.15.1 "... é exorcizar demônio, é afirmar a sua própria identidade na oposição e na comparação com outro; em fim, é dominar o estranho: o outro." (p.203)


O silêncio como sobrevivência

3.1 Com a colonização os povos indígenas foram pressionados. E a dinâmica deste processo, desarticula as relações tradicionais dos povos indígenas. Assim os Descimentos, os Resgates e as Guerras Justas foram aquisição de mão de obra tanto para coroa como os missionários, deixa a ladeia para viver nas vilas. E a ações dos Cambeba foram classificado com demoníacas por intervir no estenotipo do crânio.

3.2 O Diretório Pombalino (1757-1798) entre outras coisas intervia na cultura: proibindo a língua indígena e a geral. Além da substituição dos nomes indígenas por nomes lusitanos, e da estrutura das casas para estilo europeu. E a escravidão proibida no período ainda se mantém na primeira metade do século XIX no rio Solimões e Japurá.

3.3 Com Sistema de Aviamento (1850-1920) introduziu pela exploração do látex chega a Amazônia através dos barracões e regatões, não fugia a regra, um trabalho "obrigatório" por dividas do aviamento que não chegavam ao fim.

3.4 O efeito do processo de colonização: evangelização, guerras justas, epidemias, miscigenação forçada e o trabalho compulsório provocaram à população a perda do patrimônio cultural e simbólico.

3.5 Neste contexto restavam quatro soluções: resistência na guerra, fuga para as matas, integração a civilização ou nega a sua identidade. Desse modo, os Cambeba, já reduzido "escolham" a terceira alternativa.

3.6.1 Foi necessária nega a identidade indígena, sendo caboclo, ou seja, não-indio, mesmo não tendo a mesma vida, não sofriam as mesmas pressões.

3.7 A Lei do Silencio não significou a condição de silenciados, mas a única possibilidade de resistência cultural, por isso durante 200 anos e se reafirmando no século XX.

Identidade e memória

4.1 A reafirmação étnica ocorre na década de 1980, quando de encontros organizados pelos Miranhas em Urani, por volta de Tefé. Encontro que articulam sobre problemas sociais. Pois começam, Cambeba e Miranha, um movimento indígena que reivindicando demarcação de terra e autonomia nacional.

4.2 O processo de reafirmação dos Cambeba, assim como os Cocama, Mayoruma e os Miranha nos rios Japurá e Solimões, começa logo que a política indígena passa por uma crise. E neste contexto devemos considerar CIMI, CPT e a sociedade civil organizada, até refletindo redemocratização.

4.3 Durante 1970 e 1980 os povo indígenas ganham apoio da sociedade civil, levando a saída do silencio, o fortalecimento da organização política e social, que no movimento indígena articula lutas e reivindicações e promovem denuncia massacres e violências, expressando-se na Constituição de 1988.

4.4 Para João Pacheco de Oliveira há dois fatores que favorecem a reafirmação ou a "recuperação" étnica: processo econômico era o conflito nas terras, e do outro lado, o aparecimento de uma alternativa que são ameaçados no campesinato, a constituição do novo indigenismo através Funai, CIMI e Ong's.

4.5 Contudo, a reafirmação Cambeba afirma autor é uma faca de dois gumes. Logo que sair do silêncio e pode barganhar por melhorias de vida à terra. Mas por outro lado, expõe a pressão. E o preconceito de toda ordem. Além disso, a região de Tefé onde o índio é "representado" de forma genérica e caráter lendário, e por outro, os governantes afirma a "integração" perfeita dos indígenas.

4.6 Entre essa dinâmica e contexto, de alianças e conflitos internos e externos os Cambeba reconstroem sua identidade, onde a memória tem papel importante nessa "nova" identidade. E isso acontece em dois caminhos: a. lembrança do processo da colonização ( trabalhando a sua memória e do colonizador); b. um processo reelaboração mecanismo de memória ( apropria-se do passado para legitimar diante da sociedade).

Memória, lembrança e registro.

5.1 Se a memória é lembrar, o que é lembrar? o autor cita Ecléa Bosi na origem da palavra que vem do francês se souvenir "vir de baixo" e sous-venir "vir à tona o que está submerso": a memória é subjetiva, profunda, ativa, latente, oculta e invasora.

5.2 E Ecléa Bosi, ligada a Halbwachs, afirma que a memória individual depende do meio social: lembrar não é reviver mas refazer, reconstruir, repensar sobre o passado, a lembrança é uma imagem construída a partir do material atual, no conjunto da representação.

5.3 Assim, reconstruir, refazer é o desafio Cambeba, quase destruído pela sociedade nacional, impedidos de falar e da identificar, agora tem este instrumento reconstruir sua história e futuro: memória.

5.3.1 O autor cita um velho Cambeba que lembrar do silêncio e afirma a possibilidade aprender a língua quase extinta.

5.4 História, mesmo com a linguagem tradicional fragmentada isso se liga aos antepassados, no domínio se sua história, se diferente de outros povos e reconhecidos como Cambeba, assim o sentido de sua memória: relembrar para reconstruir a vida.

5.5 Relembrar é ir retirando do "esquecimento" promovido pelo processo de colonização, onde os Omáguas achatavam a cabeça das crianças para se diferenciar dos canibais e se livrar da escravidão.

5.6 Na época que "índio não tinha valor" lembrar era esquecer, trazer a tona sob o silencio, em fim era proibido lembrar. Porém não lembrar não era esquecer, mas silenciar. Assim sobreviveram por 200 anos.

5.7 O silêncio dos Cambeba sobre sua cultura e identidade tem dois aspectos: a. ela pode ser manipulada e dominada pelo estado da nação majoritária decidindo sobre que se deve lembrar esquecer e silenciar; b. os Cambeba utilizaram o silencio não como falta de lembrança, mas como estratégia da sobrevivência, não conduzindo a morte, mas a vida.

5.8 As lembranças Cambeba estão em todo rio Negro, e questiona a pesquisa histórica e a segurança documental. O desafio é a reconstrução estes caminhos e lugares da memória indígena a história indígena deve enfrentar na Amazônia.

5.9 Porém os Cambeba mais do que lembrar, se preocupam com registro em livros para uso em suas escolas e "também para fazer os brancos não esquecerem". Na década de 1900 elabora-se um livro "A vida nas aldeias do médio Solimões" para professores, e no final da mesma década houve outra obra "Aua Kambeba: a palavra da aldeia Nossa Senhora da Saúde"

6.0 Em fim são possíveis perceber que a Memória Coletiva pode atuar de duas formas: a. como estratégia de dominação, o estado nacional; b. como resistência, exemplo como os Cambeba.


Raoni Araujo Lopes
Licenciatura em História - Uninorte


SAMPAIO, Patrícia Maria Melo e ERTHAL Regina de Carvalho (Org.) .Rastros da memória história e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Manaus: Edua, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário