"O outro não é uma ameaça, é uma possibilidade." Eduardo Galeano

sábado, 9 de abril de 2011

A África na Tradição das Ciências Sociais I

A seguir um pequeno esquema do texto do antropólogo Luís Rodolfo Vilhena, A África na Tradição das Ciências Sociais no Brasil, presente no seu livro Ensaios de Antropologia (Rio de Janeiro: EDUERJ, 1997).


A ÁFRICA NA TRADIÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL
Luís Rodolfo Vilhena

-Este ensaio nasceu inesperadamente enquanto o autor pesquisava sobre o folclore nacional.
-Ele identificou no pensamento social brasileiro diferentes modos como foi tratada a problemática da cultura africana.
-O que nossos pensadores fazem, basicamente, é pensar a África somente na medida em que ela contribuiu para a formação do Brasil, ou seja, a chegada de populações africanas em terras brasileiras para o trabalho escravo.
-O autor vai mostrar essa sua tese analisando as rupturas dentro do pensamento social brasileiro.

A África em Três Paradigmas
-Vilhena identifica 3 paradigmas, conceitos em voga na época em que esses homens criaram suas teorias, nas nossas ciências sociais sobre o negro. Segue-se abaixo os paradigmas e as datas em que foram inaugurados:
a) paradigma racialista (1870);
b) paradigma culturalista (1930);
c) paradigma da estrutura social (1950);

-Como nossas ciências sociais começaram? Com a Escola do Recife, movimento filosófico e jurídico que se opunha ao ecletismo e espiritualismo que reinava na esfera intelectual da época.
A Escola do Recife, tendo o darwinismo e o positivismo como base, pretendia transformar o pensamento nacional em algo mais científico, por isso eles são considerados os pais das nossas ciências sociais.

-Sylvio Romero (1851-1914): maior nome da Escola do Recife.
Acreditava que alguns fatores condicionavam a cultura brasileira, principalmente a raça.
Não adianta fugir da miscigenação, o brasileiro é o mestiço por excelência e devemos isso ao negro.
Para Romero, ao contrário dos românticos, o negro tinha contribuído mais para a nossa cultura que o índio.
Ele chega a essa conclusão pesquisando nosso folclore - maior incidência da cultura africana, seja nos ritmos ou nos folguedos religiosos.
Isso é ruim: o brasileiro, sendo mestiço, não é puro, não é coeso, não é forte. Por isso o Brasil não está desenvolvido.
Mas, ao contrário do que pensam os viajantes estrangeiros, tem saída: o enbranquecimento do Brasil.

-Gilberto Freyre (1900-1986): polêmico intérprete do Brasil.
Influenciado pela antropologia de Franz Boas, que coloca a cultura como centro das atenções e não mais a raça ou o clima, Freyre faz uma interpretação da nossa formação histórica em Casa Grande e Senzala (1930)
O que torna o Brasil subdesenvolvido não é mais a raça, mas o ambiente e o caráter da colonização. O negro é de uma cultura forte, Freyre tece longos elogios á cultura africana e lamenta que ela tenha sido degradada pela escravidão.
Porém, as relações entre negros e brancos, através da escravidão, tiveram algo de produtivo: a formação de uma intimidade e de uma pessoalidade que é própria somente do brasileiro - a presença, mentalmente, em cada um de nós de um senhor e um escravo (antagonismos equilibrados).
A aproximação entre senhor e escravo não formou um racismo forte como nos EUA, aqui temos uma democracia racial - vários mestiços chegaram a cargos importantes em nossa história.
A solução para modernizar o Brasil é apostar nessa democracia racial, incorporar mais ainda o negro e preservar essa relação entre o branco e o negro.

-Florestan Fernandes (1920-1995): símbolo do momento de transformações pelo qual o país passava.
A partir da década de 1930, as universidades são criadas no país e Florestan faz parte dessa primeira geração de acadêmicos - seu mestre era o antropólogo francês Roger Bastide.
Um dos primeiros estudiosos marxistas do Brasil, contribuirá para nossas ciências sociais inserindo o conceito de luta de classes e estrutura social nos debates de então.
Depois de pesquisar sobre os índios tupinambás, é convidado, pelo seu mestre, para estudar as relações raciais no Brasil pela UNESCO. Por meio de entrevistas e levantamentos estatísticos na cidade de São Paulo ele chega a conclusão de que a democracia racial é um mito - o racismo ainda existia e era forte.
Segundo Florestan, esse racismo é fruto da passagem incompleta de uma sociedade de castas (senhorial e escravocrata) para uma sociedade de classes (capitalista e industrial). Para acabarmos com esse preconceito é só o Brasil se modernizar completamente, apagando os vícios do passado, como essa mentalidade senhorial.

A Estrutura da Fábula
Agora vamos falar do "racismo á brasileira":
A maior parte da obra de Florestan foi feita para acabar com o mito da democracia racial.
Florestan critica Freyre - pelos seus métodos (ensaios feitos sem muita pesquisa e sem muito cuidado teórico) e pela sua mensagem conservadora (de que no Brasil não existia racismo).
O sociólogo Roberto DaMatta fala de um "racismo á brasileira":
Sua essência - existe um triângulo das raças (o branco, o negro e o índio) e seus lados se unem, formando os mestiços (mulato, caboclo, cafuzo). O mestiço é a prova de que há harmonia racial.
Sua origem: No Império, quando os Institutos Históricos Geográficos começaram a tentar escrever uma história nacional surgiram duas correntes:
-aquela que ignora os grupos não-europeus (Fransciso Adolfo Varnhagen)
-e aquela que valorizava os índios (Couto Magalhães, Capistrano de Abreu, etc.)
Ambas recusavam a participação do negro na história nacional.
Falar do negro no Brasil é falar também do mestiço.

Entre o Passado e o Futuro
Existe uma parte de nosso pensamento social dedicado a estudo somente á África, são os africanistas.
A maioria deles tem como objeto de estudo as religiões africanas e se dedicaram a entender a origem dos escravos africanos no Brasil,
-Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) lembra que o negro não é um figura homogênea, como dizia Romero, mas que existiam várias etnias na cultura africana, como os bantos, sudaneses, nagô, iroubá, etc.
Essa brecha no pensamento de Romero, que Nina expõe, é aproveitada por Freyre.
O caráter nacional para Freyre seria o equilíbrio de antagonismos - a economia (escravista) separa o branco e o negro, mas a intimidade os unia.
Modernizar o Brasil significaria europeizar o país e isso acabaria com essa intimidade.
Caio Prado Júnior analisando a História do Brasil descobre o sentido da colonização - ser dependente do estrangeiro. Ele inaugura a interpretação marxista no Brasil e ela substituirá o conceito de país novo através da cultura pela idéia de país subdesenvolvido por causa dessa desigualdade criada com a colonização.
Outro grupo preocupado em entender a formação nacional dá sua contribuição: os folcloristas.
Para os folcloristas dos anos 50, a maior prova do caráter nacional era a cultura popular e nela podia-se ver a miscigenação = o ritmo é africano, mas a letra é portuguesa, isso cria uma música nova.
Roger Bastide concorda que o folclore é importante, mas esses folcloristas esquecem de pensar o folclore como uma construção cultural onde a dominaçaõ social também se faz presente.
Os folguedos, por exemplo, podem ser entendidos como forma de dominação dos negros e índios pela Igreja.
Bastide dá muito valor ás relações sociais, assim como seu discípulo Florestan. O fato de haver miscigenação, de haver uma "mistura", não significa que as culturas não-européias foram respeitadas. A cultura nacional atropela essas outras culturas.
São Paulo, por exemplo, é uma das cidades mais desenvolvidas do Brasil e nela o folclore está desaparecendo, infelizmente.
Florestan, segundo o autor, reatualiza a fábula das 3 raças de um modo diferente: ele considera a cultura indígena pequena e condenada á extinção por um processo irreversível de modernização, que ele considera necessário para nos livrarmos dessa mentalidade escravista e colonial e nos tornemos enfim independentes do exterior.

Conclusões: A Mediação Africana
Agora, vamos analisar o que pensam os autores que vimos sobre o negro:
Florestan, na construção de sua obra, coloca o índio como ponto zero, o negro como símbolo do Império e a modernização seguindo o modelo europeu, ou seja, branco. É uma visão linear, evolutiva.
Freyre dá mais atenção ao negro que o índio, como Florestan.
A interpretação de Freyre utiliza 2 conceitos-chaves: monocultura latifundiária e a miscigenação. O mal do país seria o latifúndio e essa economia colonial e não o mestiço. A primeira elitizou, a segunda aproximou. A segunda é um potencial para a democracia. E o negro foi importante nesse processo, pois ele é adaptável.
Para Freyre e Bastide, o que o negro trouxe para a nossa cultura é justamente o que a separa dela: a sua cultura
Se ele valoriza sua cultura, ele não é integrado nacionalmente;
Se ele se integra, tem de esquecer sua cultura.
Qual a opinião do autor? Para Vilhena, nesse triângulo racial o negro tem uma posição estratégica. Ele é o mediador: media a cultura branca e a cultura negra (Freyre), media o passado e o presente (Florestan).
-Romero e Freyre: auxiliar do branco na construção nacional.
-Bastide e Florestan: essencial na construção nacional, mas vítima dela.
A vida e o contexto desses pensadores influenciou suas teorias:
-Romero é filho da elite sergipana;
-Freyre é filho dos senhores de engenho pernambucano;
-Florestan é filho de uma doméstica em São Paulo;
No contexto, respectivamente, houve num primeiro momento teorias racistas, apoiadas pelo evolucionismo, depois a antropologia cultural e por último o marxismo.
Interessante que cada um desses pensadores representou uma ruptura: antes não se falava no negro, não se valorizava sua cultura, não se pensava na violência com que foi tratado no Brasil, etc...
Por fim, com a palavra, Florestan:
O Brasil tem muitas faces, assim como o racismo á brasileira. Por isso falar da contribuição do negro á nossa cultura é difícil: ás vezes podemos estar colaborando com o racismo ou com a idéia de modernização á todo custo.
O tema é polêmico, mas é necessário: falar do negro no Brasil é entender como esse país surgiu e que rumo ele vai tomar.

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